A rosca




Luci Afonso

— Já chegou?

— Será que vem hoje?

— Está atrasado!

— Custava telefonar?

Todo dia aguardava-se ansiosamente a chegada do Túlio, muito querido pelo temperamento alegre e brincalhão, mas, principalmente, pela deliciosa rosca rainha que trazia há quase vinte anos para o café da manhã. Alguns colegas vinham trabalhar em jejum para saborear a iguaria; outros, mais antigos, que já poderiam ter se aposentado, não o faziam por causa da rosca. A copeira, Dona Joana, apesar do diabetes, sempre garantia um pedaço. Ninguém conseguia se concentrar no trabalho antes de comer uma fatia.

Às 9h40min, Túlio descia a escada com os cheirosos embrulhos. Sempre trazia acompanhamentos: pães de queijo quentinhos, bolos variados e pães de mel. Um adolescente ficava à porta, encarregado de dar o sinal: — Chegou! — a notícia se espalhava e, em minutos, o corredor estava lotado.

A fama da rosca ultrapassara as fronteiras da seção e alcançara os ouvidos do Diretor, que abriu espaço na agenda para provar a guloseima. Após fartar-se (dizem que até lambeu os dedos), fez questão de cumprimentar o funcionário:

— São servidores abnegados como V.Sa. que engrandecem a instituição.

— Obrigado, Excelência — respondeu Túlio, emocionado.

— V.Sa. poderia dar a receita ao meu chefe de gabinete?

— Não posso, Excelência. Segredo de família.

— Tenho disponível uma FC-5...

— Lamento, Excelência. Prometi à minha avó.

— No leito de morte?

— Não, ela ainda está viva.

— Tudo bem, então. Se mudar de ideia, podemos até pensar numa FC-6...

— Muito grato, Excelência.

Com o tempo, constatou-se que a rosca tinha propriedades medicinais. Uma colega que sofria de depressão crônica e que tentara, sem êxito, várias terapias, acreditava ter sido curada graças à fatia ingerida diariamente. Um senhor da Seção de Finanças atribuía à mesma causa a recuperação da vista no olho esquerdo. Uma senhora paraplégica do Anexo IV voltara a andar. Um recém-concursado vítima de grave acidente recebeu a rosca por via intravenosa e saiu do coma.

Nas pesquisas anuais do Departamento de Recursos Humanos, a rosca era apontada, pela maioria dos entrevistados, como o principal fator de motivação no trabalho. Túlio, no entanto, permanecia alheio às repercussões do seu nobre gesto. Nem a ida ao Programa do Jô, nem a Medalha de Honra ao Mérito recebida do Presidente Lula abalaram a humildade tuliana.

Apenas um fato alterou a rotina do generoso homem: em sociedade com a avó, precisou abrir uma padaria e confeitaria para atender à crescente demanda. A Túlio’s Roscas acaba de ser eleita, pela “Revista VEJA Brasília - Comer & Beber 2009/2010”, o melhor estabelecimento do gênero no Distrito Federal.

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