Ter ou não ter
Luci Afonso
O povo dinamarquês é o mais feliz do mundo. Ouvi isso deitada no sofá, numa tarde desocupada e sonolenta, em que zapeava os canais da TV a cabo à procura de diversão ou de cochilo, o que chegasse primeiro. Os bocejos foram se intensificando até que a reportagem no show da Oprah me despertou a atenção.
A Dinamarca sempre me lembrara Hamlet e Babette, personagens da literatura e do cinema. Naquela matéria, fiquei sabendo que os dinamarqueses de carne e osso moram em espaços pequenos, têm poucas coisas, aproveitam ao máximo o que possuem e são felizes. Também confiam uns nos outros: durante o dia, os bebês dormem tranquilamente em seus carrinhos à porta de casa.
O assunto me voltou à mente quando, há dois meses, precisei mudar de apartamento. De um confortável e amplo três quartos, dois banheiros, garagem e DCE, passei para um de um quarto e meio, sem garagem, um minibanheiro e um vaso sanitário para a empregada. Despachei grande parte da mobília e outros objetos para a chácara de uma tia e, provavelmente, nunca mais os verei; troquei a cama de casal por uma de solteiro, que coubesse no meio quarto, e arrumei o quarto inteiro para meu filho, com o computador, que ele adora, a escrivaninha, que ele detesta, e Patinha, o gato.
Acredito que todo conhecimento pode ser aproveitado, com ou sem adaptações: não existe cultura inútil. No momento, estou tentando praticar o desapego dinamarquês. A cama de casal não faz falta, porque durmo sozinha mesmo. O tamanho do banheiro tampouco é problema, pois até emagreci um pouco para entrar mais facilmente no box. Garagem para quê, se não tenho carro? E o que seria mais inútil que uma DCE, se despedi a empregada e contratei minha mãe como diarista (50 reais mais passagem, duas vezes por semana, sem carteira assinada)? Na sala cabia a mesa ou o sofá. Escolhemos o sofá, já que só comemos assistindo à TV.
Apenas uma coisa incomoda: o sol à tarde. Contornei o problema usando a rede de balanço como cortina até poder comprar uma — o tecido grosso protege bem da claridade intensa e do calor insuportável. O antigo apartamento, voltado para o nascente, tinha uma vista magnífica do lago, especialmente nas noites de lua cheia. O atual compõe um quadrado com os outros prédios, circundando um miolo de área verde. Não se vê o lago, mas sem querer já avistei alguns vizinhos trocando de roupa em frente à janela e estou procurando os binóculos para ver melhor.
Tenho aprendido que menos é menos, mas tudo bem: meu filho, Patinha e eu nunca estivemos tão próximos. Compartilhamos tudo no espaço reduzido, exceto as necessidades íntimas, por enquanto. Ainda temos muito a evoluir.
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