A testemunha
Luci Afonso
Bancos vazios conversam sob a cumplicidade das árvores, e o chão se cobre de flores trêmulas. Crianças brincam no piso fresco do pilotis. Gatos e velhos fazem a sesta em quartos estreitos, enquanto passantes silenciosos decifram o alfabeto inscrito nas fachadas antigas: B de bênção, D de desejo, O de oração...
A parada de ônibus espera a jovem que atravessa a cidade a passos leves. O balanço de madeira aguarda a brisa que soprará assim que o sol atingir o topo do ipê-rosa no gramado em frente. A relva seca pede chuva — nem enchente, nem dilúvio, apenas algumas gotas que amenizem a sede das frágeis raízes.
A fiel testemunha registra as surpresas e confirmações diárias da paisagem. Recolhe os desejos, bênçãos e orações dos edifícios; refresca as crianças cobertas de suor; sorri aos velhos e gatos que se espreguiçam nas janelas.
Os pés descalços são fecundados pela seiva das flores ainda úmidas, e os olhos enormes são banhados pelo chuvisco que fertiliza o solo.
O balanço e a brisa se amam sem culpa.
Brasília entardece.
(Foto: Usha Velasco)
Lindo e melancólico. Um jeito de Luci que volta a perscrutar a alma das coisas, aparentemente por acaso. A percepção do detalhe e das possibilidades do homem em seu mundo habitual. Tantas secas que esperam por diferentes chuvas... Nossa! Que simplicidde linda mesmo. Mas decididamente melancólica.
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