Última Música
Luci Afonso
— Adoro esta hora! — ela pensou, mais uma vez, às 11:11.
Amava os números, especialmente o número um. O início, o princípio, o começo de tudo. A unidade, a totalidade, a completude. Procurava-o em jornais, revistas e placas de carro. Reverenciava-o na tela do computador.
Coisas boas sempre aconteciam nesta hora — o nascimento do filho mais velho, a compra da casa, a confirmação do novo emprego. Todo dia fechava os olhos e agradecia em silêncio as bênçãos recebidas.
Depois se sentia disposta a cumprir a agenda frenética, assinalando em verde os assuntos já resolvidos; em azul, os encaminhados; e em vermelho, os pendentes. Num dia normal havia, em média, vinte itens.
No topo da lista de hoje estava o aniversário de casamento, que seria em quinze dias. Ela já cuidara de todos os detalhes. Comprara o vestido, reservara o restaurante, enviara os convites, contratara os músicos. Faltava apenas escolher a roupa do marido, dos filhos, dos pais e das irmãs, além de providenciar o material para a decoração, que uma amiga se oferecera para fazer.
— Adoro comemorar! — dizia. Na véspera de datas especiais, fazia questão de ficar acordada até meia-noite para dar início à comemoração e só a concluía à meia-noite seguinte, sem desperdiçar um minuto sequer de alegria. Terminado um evento, começava imediatamente a planejar o próximo. Tanto a celebrar e tão pouco tempo!
Tinha paixão pela dança. Às segundas e quartas-feiras, fazia a do ventre; às terças e quintas, a de roda; às sextas e aos sábados, ia a shows; aos domingos, ligava o som bem alto e rodopiava pela sala. No carnaval, arrastava a família para a Sapucaí e se esbaldava no samba. Decorava os enredos das escolas e cantava até ficar sem voz. Voltava ao trabalho com o corpo dolorido, já antecipando os momentos mágicos de que desfrutaria no ano seguinte.
Às vezes, em meio a uma festa, esquecia-se do motivo da celebração e sentia uma tristeza antiga, que a acompanhava desde menina. Não se deixava abater: corria ao banheiro, abraçava-se em frente ao espelho e dizia: — Adoro viver! —, antes de voltar ao salão para dançar até a última música.
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