Sobre cavalos mansos e unicórnios




Rubem Alves


(...) Então você está confusa com os seus sentimentos. Ele apareceu tão de repente na sua vida, com aquele brilho manso no olhar, com aquela meiguice na voz, sem pedir coisa alguma, meio como um Pequeno Príncipe caído de um asteróide.

Aí você me veio com a terrível pergunta, querendo diagnóstico. Você queria saber se você estava sofrendo da doença proibida — você, uma mulher de meia-idade, que foi sempre irrepreensível em pensamentos e ações. Aquela doença que põe tudo de cabeça para baixo e começa a querer começar a vida de novo, com outra pessoa, mesmo que já seja tarde demais e tudo aconteça só na imaginação.

É muito fácil responder: “A presença dele traz alegria?”. Isso é tudo o que importa. Se trouxer só prazer, é fogo de palha. Prazer é coisa do corpo, só acontece quando o corpo do outro está lá. Alegria é coisa da alma, acontece só de lembrar.

Você sofre, é claro, porque isso lhe parece infidelidade. Você continua a gostar do seu marido. Há bonitos sentimentos de amizade entre vocês dois — mas é como aquele cavalo domado que fica amarrado no pau, paciente, sem pressa, arreado para qualquer eventualidade.

O que você pode fazer se você sonha é com o branco unicórnio que coloca a cabeça no seu colo e adormece? Amor não é lei, é graça, imprevisível como o vento, sopra numa direção, depois sopra em outra. O apaixonado é uma vítima inocente.

Muitas coisas podem ser prometidas e cumpridas, mas não posso prometer que ficarei sorrindo ao pensar no seu nome, não posso prometer comoções na minha carne ao ver o seu corpo.

Dizem os entendidos que os unicórnios são animais em extinção. Cuide bem do seu. Pode ser que seja o último a lhe aparecer.


(Trechos de crônica publicada no livro “Um céu numa flor silvestre — A beleza em todas as coisas”, Verus Editora, 2005.)
(Imagem: Marc Chagall)

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