A era do miniconto
Dos contos tradicionais aos concursos de textos em uma linha, histórias enxutas brincam com a imaginação do leitor
Braulio Tavares
Que tamanho deve ter um conto? Os critérios editoriais definem a extensão de um texto pelo número de caracteres ou palavras. O mercado literário norte-americano, mais industrializado e preciso do que o nosso, define quatro faixas de extensão: conto, até 7.500 palavras; noveleta, de 7.500 a 17.500; novela, de 17.500 a 40 mil; romance, de 40 mil em diante.
Edgar Allan Poe definiu o conto, de maneira pragmática e intuitiva, como "narrativa curta, cuja leitura atenta requer de meia hora a uma ou duas horas". Tinha em vista o que ele chamava de unidade de efeito. O conto deveria ser curto para não ser interrompido. Ser uma experiência mental única, contínua, do começo até o fim, para que não se diluíssem as tensões, e o desfecho tivesse toda a carga emocional preparada pelo autor. Curiosamente, a duração que ele preconizava para o conto é a que tem um longa-metragem comercial. E qualquer espectador de cinema mais exigente sabe que a experiência de ver um filme na TV "quebra o efeito" por causa dos intervalos comerciais. Tanto conto quanto filme devem, idealmente, ser uma experiência mental ininterrupta.
Isso se torna mais fácil quando praticamos o "miniconto". Para ele não há limite específico, mas podemos considerar minicontos aqueles de duas páginas ou menos. Revistas literárias de língua inglesa promovem de vez em quando concursos para contos com só seis palavras. O modelo é um texto de Ernest Hemingway: "For sale: baby shoes, never worn" (Vendem-se: sapatos de bebê, sem uso). Há toda uma tragédia familiar por trás desse minitexto.
Concisão
O miniconto procura sugerir, já que não pode descrever ou narrar muita coisa. Em oficinas literárias ou de roteiro, vez por outra os alunos recebem a tarefa: "Conte sua história em uma frase. Depois, em dez linhas. Depois, em trinta linhas; e em 200 linhas". Quem for capaz de manter precisão e coerência ao longo dessas etapas provavelmente será capaz de escrever um roteiro de 120 páginas. A concisão é virtude em jogo na era eletrônica e seu espaço sem limites. Antigamente, escrevíamos pensando no número de toques por linha (eram 70) e no de linhas por lauda (30). Compactar qualquer história em seis palavras nos traz de volta essa antiga disciplina.
A revista Wired promoveu certa vez um concurso de contos fantásticos e de ficção científica em seis palavras. Tarefa difícil, uma vez que é preciso sugerir, além da história, uma ambientação com a qual o leitor, a princípio, não tem familiaridade. Mesmo assim, houve tentativas bem-sucedidas. Como a de Eileen Gunn: "Computador? Trouxemos baterias? Alô! Computador? Computador?." Não precisa mais nada para imaginarmos uma nave silenciosamente à deriva no espaço, cheia de astronautas congelados. (...)
Não ficção
O interessante nessas experiências é que o autor conta com a imaginação do leitor, sua capacidade de recorrer a um banco de dados comum para preencher as partes não explicadas. As seis palavras funcionam como um cartum, criando uma unidade de sentido que se percebe de um só relance, sem ficar esmiuçando "como" e "por quê". São como título de livro ou manchete de jornal: exigem que a gente seja capaz de "já saber" e de imaginar.
(...) Há um grande romance latente em cada meia dúzia de palavras, desde que bem escolhidas.
Braulio Tavares é compositor, autor de Contando Histórias em Versos (Editora 34, 2005). btavares13@terra.com.br
Voltei ao blog hoje para reler o Braulio Tavares. Porque o texto é interessante do começo ao fim. Além disso, já pincei umas três utilidades que pretendo não esquecer. Uma delas é aquilo de escrever uma frase, 10 linhas, 30, 200. Quero experimentar. Muito bom!
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