Sonho meu



Luci Afonso


Acordo do sono profundo impregnada de lembranças. No diário que guardo há anos na gaveta do criado-mudo, registro os valiosos momentos transcorridos no mundo sem fronteiras. Tenho medo de esquecê-los, pois é neles que sou feliz.

Na mesma gaveta está um antigo “Guia ilustrado dos sonhos e seus significados”, que agora consulto muito pouco, porque passei a entender claramente as mensagens que me envio quando adormeço.

Nos últimos dias, um sonho se repete: sou uma casa enorme em reconstrução num vasto terreno de gramado verde-claro. Tenho vários cômodos, amplos e bem iluminados. Ao mesmo tempo em que os reformo por dentro, estou fora de mim, observando as mudanças feitas toda noite‑dia.

Sem pressa, escolho a cor de cada aposento, a textura de cada parede, o mármore fresco do piso, a madeira nobre das janelas. Defino os cantos em que descansarei à sombra e aqueles onde me aquecerei ao sol.

Não estou sozinha nesse lugar. Meu filho corre na grama, enquanto minha mãe prepara as sementeiras do jardim. Os vizinhos são todos jovens e têm cabelos brancos. Os rostos parecem conhecidos. Ao nascer-pôr‑do-sol, vestimos roupas claras e formamos uma grande roda onde entoamos uma música antiga, que nos revigora numa paz inabalável.

É hora de acordar na realidade imediata. Quando dormir de novo, mergulharei na luz infinita para suavemente morrer um pouco mais.

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