Professor Pelé
Luis Fernando Verissimo
James Joyce dizia que o leitor ideal é o leitor com insônia. O que sugere um paradoxo: não adianta ler a noite toda e ficar inteligente se no dia seguinte você parecerá um zonzo por falta de sono. A regra deveria valer para os leitores dos livros de Joyce. Eu consegui ler todo o “Ulysses” (só não me peça para contar) mas decidi que tinha que escolher entre ler “Finnegans Wake” e viver.
O fato é que já tive muita insônia, e mais tempo do que tenho agora, e por isso li bastante. Hoje me transformei num leitor de trechos, ou de notícias e artigos, que, pensando bem, também são trechos desta grande obra que ninguém sabe como vai terminar, que é a atualidade.
Quando me perguntam sobre literatura brasileira e internacional, novos autores, etcetera, e não quero dizer que não leio mais como lia e por isso sou um abjeto desinformado, digo apenas que tenho dormido melhor, ultimamente. O que talvez explique esta cara de quem lê muito, e as perguntas.
A falta de insônia e de tempo desanima o leitor diante de textos maiores e mais exigentes, mas também condiciona quem escreve: sabemos como um advérbio de modo ou uma firula desnecessária podem atrasar a vida, e procuramos o texto enxuto, a frase três-em-um (a que diz no mínimo três coisas com um verbo só) e a concisão.
Sempre achei que o melhor professor de português do Brasil foi o Pelé. Quem o viu jogar ou hoje vê os seus teipes sabe que o Pelé jamais fez uma jogada que não fosse parte de uma progressão para o gol. O sentimento de tudo que o Pelé escrevia com a bola no campo era o gol. O drible espetacular era apenas circunstancialmente, com perdão do longo advérbio, espetacular, porque ele existia em função do objetivo final.
A lição para escritores é: defina seu gol e tente chegar lá como Pelé chegaria, com poucos mas definitivos toques, sem nunca deixar que os meios desviem do fim. E se, no caminho para o gol, você fizer alguma coisa espetacular, esforce-se para dar a impressão de que foi apenas por obrigação.
Fonte: O Globo, 2 de outubro de 2002, p. 7
Luiz Fernando Veríssimo é demais!
ResponderExcluirObrigada, Luci, por trazê-lo para o seu blog.
Um abraço,
Angela Delgado