“...Nem Sansão, nem Dalila, apenas dúvidas, feridas”
Olívia Maia
Sebastian estava há tempo parado próximo à Lagoa Rodrigo de Freitas. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro acordava com o barulho de fogos em homenagem ao seu Santo Padroeiro. Era 20 de Janeiro.
— Esse Santo nunca me deu sossego. Resmungou. Santo feio e sofredor. Se ao menos fosse Jorge. Santo guerreiro que segurou a lança e matou o dragão. Mas Sebastião... Tenha Paciência!
Em passos seguros aproximou-se ainda mais da lagoa. A mão arrumava os cabelos bem tratados, lavados e perfumados. A água turva da lagoa não refletira sua imagem. O barulho dos fogos insistia em acordar a cidade e suas memórias.
— Esse Santo nunca me deu sossego. Resmungou. Santo feio e sofredor. Se ao menos fosse Jorge. Santo guerreiro que segurou a lança e matou o dragão. Mas Sebastião... Tenha Paciência!
Em passos seguros aproximou-se ainda mais da lagoa. A mão arrumava os cabelos bem tratados, lavados e perfumados. A água turva da lagoa não refletira sua imagem. O barulho dos fogos insistia em acordar a cidade e suas memórias.
— Tião é a puta que te pariu, ou a puta que me pariu. Seu semblante foi tomado por uma expressão de raiva profunda, ante a lembrança do pátio da escola. A algazarra das crianças gritando: Tião peidão, cara de Japão! Que direito tinha minha mãe de fazer esse pacto? Essa maldita promessa? Sebastião... Santo sofredor, feio e sem graça. Vai ver que quis imitar as passagens bíblicas “o anjo do Senhor apareceu aos pais para exortar sua mãe a que se consagrasse ao Senhor e que o filho fosse dedicado ao Senhor como nazireu pela vida inteira. O Espírito do Senhor entrou nele e agiu nele.” Espírito de santo nenhum entrou em mim. Sou Sebastian... Apenas Sebastian.
A brisa que vinha da Lagoa sacudiu seus cabelos. Um rapaz de porte atlético, mulato bonito, bronzeado, com pernas bem torneadas, de mais ou menos uns 25 anos, correndo, afastou-o das lembranças.
A brisa que vinha da Lagoa sacudiu seus cabelos. Um rapaz de porte atlético, mulato bonito, bronzeado, com pernas bem torneadas, de mais ou menos uns 25 anos, correndo, afastou-o das lembranças.
— Bonito assim deve ser muito bom de cama. Suspirou.
O rapaz sumiu na curva do caminho quando ele lembrou que antes das 10 horas teria que estar na escola para assinar a demissão.
— Adeus pó de giz, adeus sirene estridente, adeus mães chatas... Aula de anatomia. Manipulando aquele pênis enorme de borracha. Sentiu-se excitado. O barulho dos fogos intensificou-se. Explosão... Orgasmo... Bum...bum... hum... huuuuummm.
Se até o “prometido do Senhor” rebelou-se, pensou com certa irritação, quanto mais eu, prometido de um santo... “foi a Gaza e viu ali uma prostituta e coabitou com ela. Depois disto, aconteceu que se afeiçoou a uma mulher do vale de Soreque”.
— Fodam-se todos: os santos, os anjos e os arcanjos, resmungou com uma voz firme e rouca.
Às 14 horas deveria estar na agência de turismo para desmarcar o Cruzeiro agendado para as Ilhas Gregas, em julho. Pensou: Ah! Doces ondas. Corpos quentes parecendo banquete de carne cheirosa... muitos...vários...diversos... saborosamente gostosos. Sexo com tempero de maresia...
— Nostalgia! Exclamou... Não. Não é... é um gosto de quero mais...ou de não quero mais.
Olhou para a barriga. Comprimiu-a como num reflexo. Olhou para as mãos e percebeu pequenas sardas. Sujeira da idade. Aproximou-se da Lagoa como tentando ver seu rosto. Nada. Apenas leves movimentos dos cabelos.
— Bicha velha... Jamais! Veado que não corre não tem graça. Quem olhará para esse amontoado de músculos caídos? carne velha...40 anos. Nostalgia... não. Não é. É um gosto de ... não quero mais.
Enfiou a mão no bolso à procura de um papel. Sentiu que o dia estava passando muito rápido. Já eram 8 horas. Teria que registrar um tanto de coisas a serem feitas antes de a noite chegar. Já com o papel e a caneta na mão anotou — às 16 horas, visita ao psiquiatra. Soltou uma risada debochada.
— Falta uma caixa de Lexotan. Olhou para os lados conferindo se havia alguém.
Com a intensidade do passar das horas, seus pensamentos ficaram acelerados. Encostou-se em uma barra de ginástica aquecida pelo calor do sol, e prosseguiu:
— Aquele babaca não me tomará muito tempo... chegarei com a depressão aumentada. Não posso esquecer de fazer um pequeno treino antes de encontrar a figura... expressão... postura... tom de voz. Hoje não lhe darei tempo para falar de Freud. Falar do meu tipo (como diz ele) narcísico de ser: arrogante e com fantasias magníficas sobre mim mesmo. No último encontro veio com uma história de que meu problema, visto de uma perspectiva psicológica, estaria ligado à etapa do desenvolvimento no qual, enquanto criança, fiz do próprio eu o objeto principal de meu amor. Palavras jogadas ao vento... Estufou o peito e balançando os cabelos esbravejou:
— Dane-se Freud, Dane-se psicologia. Danem-se problemas. Problemas dever ter a mãe dele. Velha mal comida, que não deve ter conhecido suruba, ou que não deu um beijo na boca de uma mulher. Só deve ter feito ‘papai e mamãe’ pra parir um desse... Quero mais é ficar assentado em meu trono despreocupado de tudo mais na vida.
Uma voz mansa e sensual ecoou em seu ouvido.
— Bom dia, gostoso! Quanto tempo!? ... E aí? O que fazes? Digo, o que farás? Disse, num tom de insinuação.
Era Raffa, um freqüentador da academia de ginástica. O impacto da visão monumental daquele homem lhe tirou o fôlego. Não se ateve à voz, mas aquele corpo... Cheiro de demônio. Pensou em abrir um espaço na sua agenda. Não. Até a noite daria tempo? ... Quem sabe... Um pouco antes... Ou quem sabe durante. Baixou a cabeça enquanto Raffa afastava-se com um sorriso malicioso. A lembrança do psiquiatra voltou-lhe à mente, e falando para as águas da lagoa, continuou:
Às 14 horas deveria estar na agência de turismo para desmarcar o Cruzeiro agendado para as Ilhas Gregas, em julho. Pensou: Ah! Doces ondas. Corpos quentes parecendo banquete de carne cheirosa... muitos...vários...diversos... saborosamente gostosos. Sexo com tempero de maresia...
— Nostalgia! Exclamou... Não. Não é... é um gosto de quero mais...ou de não quero mais.
Olhou para a barriga. Comprimiu-a como num reflexo. Olhou para as mãos e percebeu pequenas sardas. Sujeira da idade. Aproximou-se da Lagoa como tentando ver seu rosto. Nada. Apenas leves movimentos dos cabelos.
— Bicha velha... Jamais! Veado que não corre não tem graça. Quem olhará para esse amontoado de músculos caídos? carne velha...40 anos. Nostalgia... não. Não é. É um gosto de ... não quero mais.
Enfiou a mão no bolso à procura de um papel. Sentiu que o dia estava passando muito rápido. Já eram 8 horas. Teria que registrar um tanto de coisas a serem feitas antes de a noite chegar. Já com o papel e a caneta na mão anotou — às 16 horas, visita ao psiquiatra. Soltou uma risada debochada.
— Falta uma caixa de Lexotan. Olhou para os lados conferindo se havia alguém.
Com a intensidade do passar das horas, seus pensamentos ficaram acelerados. Encostou-se em uma barra de ginástica aquecida pelo calor do sol, e prosseguiu:
— Aquele babaca não me tomará muito tempo... chegarei com a depressão aumentada. Não posso esquecer de fazer um pequeno treino antes de encontrar a figura... expressão... postura... tom de voz. Hoje não lhe darei tempo para falar de Freud. Falar do meu tipo (como diz ele) narcísico de ser: arrogante e com fantasias magníficas sobre mim mesmo. No último encontro veio com uma história de que meu problema, visto de uma perspectiva psicológica, estaria ligado à etapa do desenvolvimento no qual, enquanto criança, fiz do próprio eu o objeto principal de meu amor. Palavras jogadas ao vento... Estufou o peito e balançando os cabelos esbravejou:
— Dane-se Freud, Dane-se psicologia. Danem-se problemas. Problemas dever ter a mãe dele. Velha mal comida, que não deve ter conhecido suruba, ou que não deu um beijo na boca de uma mulher. Só deve ter feito ‘papai e mamãe’ pra parir um desse... Quero mais é ficar assentado em meu trono despreocupado de tudo mais na vida.
Uma voz mansa e sensual ecoou em seu ouvido.
— Bom dia, gostoso! Quanto tempo!? ... E aí? O que fazes? Digo, o que farás? Disse, num tom de insinuação.
Era Raffa, um freqüentador da academia de ginástica. O impacto da visão monumental daquele homem lhe tirou o fôlego. Não se ateve à voz, mas aquele corpo... Cheiro de demônio. Pensou em abrir um espaço na sua agenda. Não. Até a noite daria tempo? ... Quem sabe... Um pouco antes... Ou quem sabe durante. Baixou a cabeça enquanto Raffa afastava-se com um sorriso malicioso. A lembrança do psiquiatra voltou-lhe à mente, e falando para as águas da lagoa, continuou:
— Idiota. Será que não percebera que eu estava a fim de comê-lo e não de entender da minha vontade de matar meu pai para ficar com minha mãe? Foda-se Édipo.
— Será que minha mãe me amaldiçoou por não aceitar o Santo? A despeito de todo o meu sucesso, minha beleza, a maldição dela se abatera sobre mim? Dane-se o outro.
Sentiu que a agenda estava praticamente cumprida. Ir para casa? Andar mais um pouco? Não. Nada estava fazendo sentido, a não ser esperar a noite chegar. Esperar pelo momento... Quando pensou: quem sabe ir à Academia. Não. Isso lhe daria a sensação de quero mais. Relutou. Mas quase que mecanicamente se viu em um aparelho de ginástica.
A academia estava mais cheia que o normal. Notou que estava usando uma blusa larga para encobrir a barriga. Ao olhar para o lado viu Raffa vestido em uma camiseta regata que mostrava seus músculos avantajados. Sorriu-lhe. Um riso convidativo que foi compreendido rapidamente por Raffa como aceitação do convite. Novamente o pensamento varreu-lhe a mente e de súbito disse: — Basta!... Eu não quero mais!
Raffa, intrigado, perguntou-lhe: — Porque não pára?
Com um olhar duro e seco saiu. Somente na rua tomou consciência que malhara como se fosse a última... São Sebastião de certo dormira, já que os fiéis resolveram silenciar o foguetório. Parou em uma confeitaria, comprou uma torta de morango. Comprou, ainda, uma vela grande e grossa.
Chegou em casa e ao abrir a porta sentiu como se fosse a última... Resolveu tomar um banho antes da chegada de Raffa. A banheira foi se enchendo vagarosamente como se fosse a última... A torta de morango colocada sobre a mesa, com a vela grande e grossa ao lado aguçava suas fantasias. Saiu do banho. Preparou-se pra “dormir”. Um sono longo e eterno, apenas de cuecas. A não-chegada de Raffa lhe deixou um gosto de quero mais...Torta, morango, sexo, vela, sexo, morango, torta, vela, sexo... Ou de não quero mais.
Já tinha tomado a segunda caixa de Lexotan quando colocou uma música. O momento era propício... Tudo conspirava. Os sentidos... Primeiramente, o tato. Já não sentia o seu corpo sobre a cama. Na terceira caixa a visão ficou turva. Viu uma mulher de nome Morte com uma enorme tesoura na mão. Com golpes rápidos cortou seus cabelos. Sua força foi sendo retirada... Mais e mais. A música de Cazuza tomou conta do quarto:
— Será que minha mãe me amaldiçoou por não aceitar o Santo? A despeito de todo o meu sucesso, minha beleza, a maldição dela se abatera sobre mim? Dane-se o outro.
Sentiu que a agenda estava praticamente cumprida. Ir para casa? Andar mais um pouco? Não. Nada estava fazendo sentido, a não ser esperar a noite chegar. Esperar pelo momento... Quando pensou: quem sabe ir à Academia. Não. Isso lhe daria a sensação de quero mais. Relutou. Mas quase que mecanicamente se viu em um aparelho de ginástica.
A academia estava mais cheia que o normal. Notou que estava usando uma blusa larga para encobrir a barriga. Ao olhar para o lado viu Raffa vestido em uma camiseta regata que mostrava seus músculos avantajados. Sorriu-lhe. Um riso convidativo que foi compreendido rapidamente por Raffa como aceitação do convite. Novamente o pensamento varreu-lhe a mente e de súbito disse: — Basta!... Eu não quero mais!
Raffa, intrigado, perguntou-lhe: — Porque não pára?
Com um olhar duro e seco saiu. Somente na rua tomou consciência que malhara como se fosse a última... São Sebastião de certo dormira, já que os fiéis resolveram silenciar o foguetório. Parou em uma confeitaria, comprou uma torta de morango. Comprou, ainda, uma vela grande e grossa.
Chegou em casa e ao abrir a porta sentiu como se fosse a última... Resolveu tomar um banho antes da chegada de Raffa. A banheira foi se enchendo vagarosamente como se fosse a última... A torta de morango colocada sobre a mesa, com a vela grande e grossa ao lado aguçava suas fantasias. Saiu do banho. Preparou-se pra “dormir”. Um sono longo e eterno, apenas de cuecas. A não-chegada de Raffa lhe deixou um gosto de quero mais...Torta, morango, sexo, vela, sexo, morango, torta, vela, sexo... Ou de não quero mais.
Já tinha tomado a segunda caixa de Lexotan quando colocou uma música. O momento era propício... Tudo conspirava. Os sentidos... Primeiramente, o tato. Já não sentia o seu corpo sobre a cama. Na terceira caixa a visão ficou turva. Viu uma mulher de nome Morte com uma enorme tesoura na mão. Com golpes rápidos cortou seus cabelos. Sua força foi sendo retirada... Mais e mais. A música de Cazuza tomou conta do quarto:
“Nem Sansão, nem Dalila
Apenas dúvidas, feridas
Você me corta, trai e atrai
Mas é a vida, querida”.
Olívia Maia nasceu em Rio Branco (AC), onde passou sua infância entre quintais sem cercas, rios e igarapés. Formada em Sociologia (UNB) e Psicologia (CEUB). Tem especialização na Abordagem Jungiana e é pós-graduada em Recursos Humanos (USP). Escreve contos e crônicas. Seu estilo literário tem influências de suas formações acadêmicas e de suas raízes nortistas. Sente-se um Ser sempre em construção e encontra na escrita uma forma de se re-escrever e de se re-construir. Participa das Oficinas de Literatura (Contos e Crônicas) da Câmara dos Deputados.
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