Nunca mais
Luci Afonso
No aniversário de cinco anos, arrumaram-lhe a roupa e o cabelo e a sentaram na sala. As avós foram as primeiras a chegar. Ansiosa para abrir os presentes, esqueceu-se de agradecê-los. Os pais haviam brigado aquele dia e aproveitaram para desabafar:
— Foi sua mãe que te ensinou a ser mal-educada assim?
— Desse jeito, você parece seu pai!
— Foi sua mãe que te ensinou a ser mal-educada assim?
— Desse jeito, você parece seu pai!
Saiu correndo da sala e agachou-se no canto do alpendre, emburrada. Esperava que alguém viesse pegá-la no colo e carregá-la de volta à festa. Ninguém veio.
Durante a noite, olhou com inveja as outras crianças, que se divertiam. Os adultos comiam e falavam alto. A mãe preparava bandejas de salgados, enquanto o pai jogava truco na cozinha. Pareciam não sentir sua falta.
Na hora de soprar as velinhas, desejou em silêncio:
— Nunca mais vou ser feliz. Nunca mais! - repetiu, quando elas se reacenderam.
— Para quem é o primeiro pedaço de bolo? - perguntou a mãe, a voz estranhamente suave.
— Para ninguém. Para ninguém! - gritou, antes de correr para o quarto.
Dormiu sem comer nada e sonhou que estava sozinha num bosque de doces pendurados em galhos altos, que ela não alcançava.
— Nunca mais! Para ninguém! - dizia no sono agitado.
Enquanto crescia, achava tristes os dias de festa. Só no último instante levantava-se do canto do alpendre, desamarrotava o vestido, prendia o cabelo e se arriscava no mundo barulhento das pessoas alegres. Provava um ou outro docinho, tomava uns goles de refresco.
Aos vinte anos, percebeu que não havia tempo para nunca mais, nem para ninguém. A cada celebração, comia um pedaço maior de bolo, experimentava sabores desconhecidos e colhia novos fragmentos de riso, enquanto se justificava em voz baixa, para não se assustar:
— Hoje vou ser só um pouco feliz. Só um pouco.
Aos cinqüenta anos, quase adulta, não se contenta com pouco. Nas melhores festas, que agora se chamam saraus, ela devora poemas inteiros, embriaga-se de melodias e anuncia ao microfone, sem medo:
— Alegria, alegria!
Os convidados fazem coro ao pedido nunca mais secreto.
Comentários
Postar um comentário