Muito prazer: notas para uma erótica da narrativa*
Ana Maria Machado
“Por exemplo, a questão do prazer de ler. (...) Essa expressão geralmente tem sido confundida e deturpada. Não significa que uma leitura tem que dar prazer no sentido de ser divertida, leve ou engraçada, gostosinha, capaz de distrair e fazer passar o tempo. Esse prazer nada tem a ver com um consumo passivo da escrita, mas está associado a algo ativo, uma atividade a dois, encontrando-se num jogo entre autor e leitor, em que o texto do primeiro desperta um possível texto do segundo, até então latente, e capaz de recriar a obra escrita e lida. Desencadeia-se uma troca interativa a partir de um contato sedutor.”
“Se um texto dá prazer é porque foi feito no prazer do processo da escrita (o que não elimina a possibilidade de ele ter sido escrito na dor, os conceitos não são excludentes). Mas o prazer do escritor não garante o do leitor, até mesmo porque não se sabe quem vai ser esse leitor; ele precisa ser procurado, seduzido. (...) Um leitor não gosta de um texto ao acaso, mas porque sente que esse texto o escolhe, o atrai, o deseja, o excita, por meio de todo um jogo de esconder e revelar.” (Citações de Roland Barthes)
“O desejo inicial, numa boa narrativa, desencadeia uma energia excitante, faminta, túmida, crescente e expansiva, que se lança em direção a um fim... É preciso não se contentar apenas com o prazer imediato, nem sucumbir à pressa de chegar logo lá, mas ser capaz de criar formas de adiamento, que prolonguem o processo de pulsação do texto até a descarga final de energia, para que ela então possa ser mais completa e total, libertando toda a tensão e conduzindo a um estado de relaxamento e aquiescência.”
*Trechos de palestra publicada em “Ilhas no tempo: algumas leituras”, Editora Nova Fronteira, 2004.
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