Batismo



Luci Afonso


Escolhemos um domingo branco de maio para a cerimônia. Nossa roupa também é branca e nossos convidados são os poetas. Enfeito-me com colares de cristal transparente e ele, com uma flor no paletó. Vamos cumprir a antiga promessa.

Partimos cedo e despertamos a manhã com passos gentis. Não temos pressa. Caminhamos de braços dados e conversamos baixo para não perturbar as árvores. Eu me abandono ao seu braço como uma menina se deixa levar pelo pai.

Ao meio-dia, procuramos um lugar fresco para repousar. Estendemos na grama a toalha branca e celebramos com pão, frutas e vinho. A natureza se junta ao brinde:

Em meio à folhagem, desponta um trevo de quatro folhas. Uma borboleta azul pousa auspiciosa em meu seio. Ele a captura e a deposita em minhas mãos, cuidadoso como um menino que passa o anel e espera uma prenda. Colho um ramo de margaridas e faço uma coroa para seus cabelos morenos, enquanto o sol acende os enormes olhos castanhos do meu soberano.

É noite quando chegamos ao nosso destino. Os convidados aguardam em silêncio. Descalços entramos no riacho e desnudos nos ajoelhamos para a benção. Recebo na face a água pura e no ouvido, as palavras secretas, que se misturam aos sons da mata.

Meu peito se abre e liberta o grito aprisionado. O corpo soluça até o céu e retorna redimido. O útero se rompe num longo fio de cetim vermelho e escoa a culpa de não dar amor a quem amei. A boca confessa os últimos pecados, enquanto os lábios do meu padrinho lentamente se aproximam dos meus.

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