Olhos de areia
Mônica Thaty
Joana sumiu. Em uma noite sem estrelas, e sem deixar rastros ou pistas. Sequer migalhas de pão que indicassem seu caminho. Apenas a voz carregada de tristeza e cortada de soluços no celular do seu namorado. “Não posso mais...” E depois que a voz rouca também sumiu, Lucas ainda ficou com o telefone mudo na mão, sabendo que havia algo a fazer, mas o quê?
Lucas, que não saía de madrugada, cheio de trancas na porta e preocupações. Lucas que desconfiava de trovões, raios e ventos fortes. Lucas que não ia a lugar algum sem o casaco e o guarda-chuva, que mesmo quando menino subiu em poucas árvores e colecionou poucos machucados. Esse mesmo Lucas viu-se obrigado a sair na noite fria à procura de Joana.
Resolveu pedir ajuda a Bárbara, melhor amiga de sua namorada. Bárbara, de olhos verdes, cabelos vermelhos e alma de bruxa. Bárbara que cresceu fascinada por histórias de mulas-sem-cabeça, sacis e fantasmas, que apaixonou-se ainda pequena pelo Negrinho do Pastoreio e o invocava em noites de solidão para que lhe fizesse companhia. Bárbara que não temia nada, muito menos a noite, mesmo que sem estrelas, mesmo que cheia de nuvens e maus presságios.
Lucas quis chamar a polícia, Bárbara não deixou. Era perda de tempo. E tempo era algo que já não tinham. E aquela busca não seguia a lógica de investigadores, apenas indícios que existiam apenas no coração de quem amava Joana. Era isso que perseguiam. A que lugar a suavidade, a leveza e a fragilidade de Joana a haviam levado? Onde encontrar Joana e seus olhos cinza-chumbo, de areia movediça, que às vezes deixavam transparecer certa inquietude? Um incômodo que era quase nada, mas que, como o vento na rocha, corroía aos poucos o equilíbrio de Joana.
Bárbara dirigia, enquanto murmurava orações e simpatias que não acalmavam em nada o coração de Lucas. Entretanto, seus próprios pensamentos também não o tranqüilizavam. Pensava em assaltos e seqüestros, em pneus furados e na tempestade que se anunciava. Bárbara pensava... Não pensava em nada. Apenas em encontrar Joana.
Passaram por bares animados e ruas escuras. Hospitais cheios e praças desertas. Visitaram lugares aos quais os pés de Lucas nunca o levariam por vontade própria. Lugares que ele nunca imaginaria, mas que faziam parte da vida de Joana. Lugares que ela conheceu enquanto ajudava os outros e se perdia. Enquanto encontrava a força que depois jogava fora em uma noite ruim. Lugares onde Joana foi triste e quase feliz. Mas ninguém sabia dela, ninguém a viu.
Afastavam-se do centro da cidade, do movimento, das luzes. Havia plantas nos cantos das vias e menos postes nas ruas. Até que chegaram a caminhos onde não havia nada, mas de onde se ouvia já o barulho do mar. E em uma dessas trilhas, de areia pisada no rumo da praia, encontraram o carro de Joana. A porta aberta e dentro apenas um pedaço de papel, meio amassado, onde sua letra trêmula havia escrito “Queridos”. E só.
Lucas procurou algo mais, no entanto só achou pegadas misturadas a outras na areia fofa e já meio desfeitas pelo vento. Gritou por Joana, e só ouviu sua voz e o barulho do mar. Um trovão. A chuva caiu, e ficaram ali. Lucas com o coração cheio de uma certeza triste, encarando o inexorável e sentindo-se estranhamente forte. E Bárbara, com o coração transformado em um poço de dúvidas, e temendo o mar.
Continuaram ali enquanto amanhecia aos poucos, e era Lucas que tomava as providências práticas, enquanto Bárbara olhava o mar. Não havia sinal no celular e a gasolina havia acabado, como se o carro, assim como eles, houvesse esgotado suas últimas forças naquela busca inútil.
Lucas foi buscar ajuda. Bárbara continuou olhando o mar. Um menino negro, de sorriso aberto passou por ali. Encarou Bárbara. Acenou. Ela baixou a cabeça e ignorou-o. Queria ficar só. Mas de repente sentiu medo. Procurou o menino. Ele já havia partido. Voltou a olhar o mar...
Lucas foi buscar ajuda. Bárbara continuou olhando o mar. Um menino negro, de sorriso aberto passou por ali. Encarou Bárbara. Acenou. Ela baixou a cabeça e ignorou-o. Queria ficar só. Mas de repente sentiu medo. Procurou o menino. Ele já havia partido. Voltou a olhar o mar...
E ainda hoje, em dias de sol ou noites frias, Bárbara ainda olha o mar. Esperando que a mesma onda que levou Joana sem deixar traços a traga de volta à praia. Sorrindo e correndo. Brincando como antes. Então ela aperta a mão de Lucas, e ambos, cada um à sua maneira, tenta lidar com as lembranças.
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