Entrevista com Rubem Alves*
por Josué Machado
Qual seu método de trabalho, se tem algum: é sistemático?
Meu corpo e minha alma ainda não entraram na rotina da linha de montagem. São crianças. Escrevem como quem brinca. Às vezes, correria, pique. Noutras, no ritmo do balanço. Amo escrever. Não há método para o amor. Ele acontece quando se sente tesão. E sinto sempre tesão por escrever. Fernando Pessoa sofria da mesma coisa. Escreveu: "Sinto uma ereção na alma..."
Autores dizem que começam a escrever e não sabem o que vai ocorrer depois. Que a história se conduz sozinha. Como é no seu caso?
Trabalha lenta ou rapidamente?
Tudo depende das idéias. Há as que vêm sob a forma de cachoeiras e a digitação não consegue segui-las. Outras vêm com a vagareza de caramujos, arrastando-se. Algumas simplesmente se recusam a comparecer. É preciso, então, deixar para depois.
Usa lápis, caneta, antes do computador?
Sempre o computador. (...) Mas entendo que haja pessoas que têm uma relação amorosa com a folha de papel. Aliás, o ato de escrever é uma metáfora sexual: o lápis pontudo tirando a virgindade da folha branca...
Demora muito para terminar um livro? O trabalho emperra às vezes?
Já tive um caso de emperramento. Trabalhei três anos num livro e cansei. Ele ficou esquecido num arquivo. Aí, de repente, lembrei-me de que Schubert compôs uma sinfonia que não conseguiu terminar. E é linda! Então, por que não publicar um livro que não terminei? Ao final eu explico ao leitor o caminho que eu iria seguir e ele que o siga por conta própria. É um livro de que gosto muito: Livro sem fim (Loyola).
Já escreveu mais de 70 livros, a maioria depois dos 40 anos. Talvez mais de dois em média por ano. Por que produz tanto? Não seria melhor desfrutar?
Escrever, para mim, é como armar quebra-cabeças. É brincar... Viver só no desfrute é um tédio. É preciso construir alguma coisa que contribua para melhorar as pessoas e o mundo.
*Trechos da entrevista publicada na Revista Língua Portuguesa n° 20, junho de 2007
(www.revistalingua.com.br)
Sobre a crônica**
“Minhas crônicas são fotografias. Escrevo para fazer ver. Uma das minhas alegrias são os emails que recebo de pessoas que confessam haver aprendido o gozo da leitura lendo meus textos. Os adolescentes que parariam desanimados diante de um livro de 200 páginas sentem-se atraídos por um texto pequeno de três páginas. O que escrevo são aperitivos.
Mas escrevo também com uma intenção gastronômica. Quero que meus textos sejam comidos. Mais que isso: quero que eles sejam comidos com prazer. Esse é o sonho de cada escritor.”
** Trecho da crônica “Os ipês amarelos”, em “Um céu numa flor silvestre — A beleza em todas as coisas”, Verus Editora, 2005.
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