Contra a maré
Mônica Thaty
Depois que Melissa terminou de desfazer a última caixa da mudança decidiu que era hora de arrumar outras coisas em sua vida. Sentou-se na frente do computador, armada com papel e caneta e espírito de detetive. Algumas pesquisas e meia dúzia de telefonemas depois e conseguiu fazer um levantamento quase completo da vida de Ricardo, o ex-namorado.
Telefone, endereço, local de trabalho. Tudo ali, em mãos. Só faltava a coragem.
Como se aborda alguém que não se vê há quinze anos, mas de quem ainda se lembra a voz, o cheiro, o toque, o beijo? Alguém que você acredita sinceramente que não ama, mas que é capaz de provocar arrepios em seu corpo apenas em encarar um olhar sorridente em uma foto?
Como se aborda alguém que não se vê há quinze anos, mas de quem ainda se lembra a voz, o cheiro, o toque, o beijo? Alguém que você acredita sinceramente que não ama, mas que é capaz de provocar arrepios em seu corpo apenas em encarar um olhar sorridente em uma foto?
Melissa pensou no que tinha a perder. Nada. Um casamento terminantemente desfeito, acabado com tanta civilidade que sugeria falta de emoção. Ou pior: uma paixão extinta como uma fogueira que queimou rápido demais. Restaram apenas dois filhos lindos. Aliás, olhar os filhos era o único consolo para o seu coração. O que fazia com que evitasse pensar que haviam sido dez anos de desperdício de vida. Houve um casamento, houve festa e um marido que, na verdade, nunca foi nada além de um amigo compreensivo. E só. O resto era rotina e nos últimos tempos seu corpo começou a clamar por sentir novamente o toque de Ricardo. Um toque inteiro, e não os toques tantas vezes interrompidos pelo medo de adolescente ou pelos quase flagrantes. Queria sentir Ricardo por inteiro agora, já que havia tanto espaço livre em seu coração e um buraco na alma.
Resolveu não adiar os planos. Armou um encontro, planejado com requintes cinematográficos. Um esbarrão acidental na rua. “Há quanto tempo!” Um convite para o almoço. E entre um gole e outro de vinho, evitava olhar Ricardo nos olhos ora verdes ora azuis. Olhos que mudavam de cor como o mar. E ela temia que uma onda pudesse levá-la para dentro deles. Mas não era essa a intenção?
Ricardo estava casado. Uma filha. Uma vida boa. Não tinha o direito de interferir assim, de desviá-lo do tráfego certo somente porque ela encontrava-se em uma encruzilhada. Mas não era um desvio obrigatório, pensou. Ele só a seguiria se quisesse. E ele quis.
Ao invés de pedirem a sobremesa, foram para um motel. Melissa respirava com dificuldade. Como se estivesse em alto-mar e se debatesse para voltar à praia. Sem salva-vidas, abandonada à deriva. Tomou fôlego antes de encarar os olhos aquosos de Ricardo. E foi como se reencontrasse seu porto seguro. Não era um mar revolto. Era um lago de águas cristalinas e mornas. Um lago onde deixou-se boiar, sentindo-se aquecida e bem. E feliz. Depois de tantos anos, verdadeiramente feliz.
Depois de tudo acabado, veio a paz. No corpo e no espírito. E ao observar a silhueta de Ricardo, quase por adormecer, também com um sorriso tranqüilo no rosto, Melissa não pôde evitar a observação. Provocada menos pela culpa do que pela constatação que os homens não eram todos iguais. E que talvez dez anos de marasmo doessem menos do que supunha.
— Talvez eu tenha feito mesmo a escolha certa ao me casar com o Régis. Não suportaria ser traída.
— Eu não te trairia.
— Você acabou de trair a sua esposa sem qualquer hesitação.
Ricardo encarou-a com os profundos olhos claros. Ela desviou o olhar para não afogar-se. Mas ainda via o azul diante de si quando ele respondeu.
— E você já parou para pensar que se você fosse a minha esposa eu não precisaria te trair, porque já teria o que queria?
— Eu não te trairia.
— Você acabou de trair a sua esposa sem qualquer hesitação.
Ricardo encarou-a com os profundos olhos claros. Ela desviou o olhar para não afogar-se. Mas ainda via o azul diante de si quando ele respondeu.
— E você já parou para pensar que se você fosse a minha esposa eu não precisaria te trair, porque já teria o que queria?
Melissa prendeu a respiração, debatendo-se para voltar à tona. Droga de curiosidade! Agora não deixaria nunca de pensar se haviam sido dez anos desperdiçados. Os dez anos não voltariam. Só poderia viver dali pra frente.
muito bom... envolvente...
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