O Último Diálogo


Mônica Thaty


Era o fim. Mas nada de finais apoteóticos, grandes efeitos especiais. Não para ele. Apenas o fim, escrito sem qualquer rebuscamento sobre um fundo preto, enquanto os créditos passavam, monotonamente, ao som de uma melodia melancólica. Válter sabia o que tinha de fazer ao chegar em casa. Arrumar as malas. Poucas roupas. Os livros preferidos. Os CDs do Tom. Talvez os do Vinícius. Os do Chico? Não, era coisa demais. Não queria ficar naquela casa mais tempo do que o necessário.
Assim que entrou em casa, e arrastou o corpo cansado até o seu quarto, Válter já ouviu a voz de Diana.
— Você está atrasado, meu bem.
A voz dela era doce, e ele chegou a sentir um calor no estômago. E estava vestida com um conjunto de lingerie que... Que por um momento ele pensou que fosse para ele. Ilusão que não durou mais do que poucos segundos.
— Você tem menos de meia hora para se arrumar. Não podemos chegar tarde na casa da Lucinha e do Jair.
Tudo aquilo era para o outro, o acompanhante. O pedaço dele que pretendia deixar em casa, junto com as coisas de menor valor.
— Não vou ao jantar, Diana.
— Claro que vai, bem. Não podemos fazer essa desfeita. A pobre da Lúcia deve ter passado o dia inteiro na cozinha... Além disso, o casamento deles está em crise, e como bons amigos nós temos que apoiá-los nesse momento difícil. Nem que seja com uma boa conversa. Você trouxe o vinho que eu pedi? Não?! Tudo bem, vamos levar aquele Merlot que compramos mês passado. Uma garrafa só. Não podemos beber muito, amanhã temos que acordar cedo, tem o churrasco do Mauro. A chácara fica a uns cem quilômetros daqui. Mas acho que vai valer a pena. Disseram que tem até um lago. As crianças vão adorar. O Mauro até convidou a gente pra dormir lá, mas eu disse que não dava. Podemos deixar as crianças e voltar, porque domingo tem o almoço de aniversário da Helena...
— Domingo é o meu dia de jogar tênis.
— Você joga semana que vem, querido. É o aniversário da Helena! E ela contratou um bufê maravilhoso. O mesmo do casamento do Cadu. Mas Válter, você ainda nem se mexeu! Não vai tomar banho? Bota a camisa azul que eu te dei. Você fica bem de azul.
Exausto, Válter pensou por um momento em tomar banho, vestir a camisa azul e ir jantar. Mas não! Estava decidido. Não podia voltar atrás. Tinha que interromper a torrente de Diana antes que naufragasse mais uma vez, e nunca mais conseguisse encontrar um porto seguro.
— Diana, preciso falar com você.
— Pode falar, meu bem.
— Não. Falar de verdade. Conversar. Como fazíamos antes.
— Estamos atrasados. Podemos deixar as crianças na casa da sua mãe no domingo e irmos ao cinema para conversar.
Válter gemeu.
— Quem conversa no cinema, Diana?
Mas ela não estava mais ouvindo. Rímel, batom, vestido. Sandálias. Cadê as sandálias pretas novas? Não, essas não. As outras. E a bolsa? Você viu a bolsa, Válter? E o seu banho, amor? Ainda bem que homem é só botar a roupa e pronto. Não tem maquiagem, creme pro rosto, hidratante...
— Diana, pára!
Ela realmente parou. Mais intrigada do que assustada com o grito do marido. Ele nunca gritava. Aliás, ele sempre falava tão pouco.
— Eu preciso falar com você. Pára um segundo, por favor.
Válter aproximou-se da mulher. Segurou-a pelos ombros. Vinte anos juntos. Quinze de casados. Dois filhos. Uma casa. Dois carros. Tudo certo. O que deu errado? Ela ainda tinha o mesmo ar jovial. Olharam-se nos olhos. Longos segundos...
— Seus olhos estão vermelhos, amor. Peraí que vou pegar o colírio.
Válter não esperou o colírio. Na corrida, só conseguiu salvar um CD do Djavan que estava sobre a mesa da sala. Não era seu preferido, mas servia.





Mônica Thaty nasceu no Rio de Janeiro, mas mora em Brasília desde os seis anos de idade.
É casada, tem um filho de dois anos. É formada em Comunicação pela UnB e trabalha como jornalista da Câmara dos Deputados há nove anos.
Escreve “desde que se entende por gente”, mas só teve coragem de começar a mostrar seus contos depois que começou a participar das Oficinas do Núcleo de Literatura do Espaço Cultural do órgão onde trabalha.
Foi a terceira colocada no Primeiro Desafio aos Contistas do Núcleo de Literatura, realizado pelo Prof. Marco Antunes no segundo semestre de 2007.

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