Os tormentos da página em branco*
Dicas que os escritores costumam seguir para contornar o bloqueio criativo que volta e meia os ataca
por Geraldo Galvão Ferraz
Você e a página em branco. Ela até parece aumentar, esperando as palavras que você colocará nela. Mas, como acontece com muita gente, você pensa, pensa e nada. A página continua branca. Você tem mais ou menos a idéia, digamos, de um conto, mas como começar?
Principiar um texto pode ser, às vezes, um tormento. As palavras parece que não vêm, os pensamentos se misturam na cabeça e nada faz sentido. E a página, lá, branquinha. Esperando.
O escritor que trava para começar seu texto, sobretudo o de ficção, não tem, é bom que se diga de cara, uma solução fácil para o problema. Cada escritor tem seu jeito próprio de lidar com esses demônios, que podem ser causados pelo cansaço físico ou mental, pelo ambiente que o cerca (se você não teve a experiência de tentar escrever ficção num lugar cheio de crianças gritando e chorando, não a queira ter).
O que fazer? Bem, de início você não precisa ser muito ambicioso. Não queira escrever um texto final, levando algumas horas de começo, meio e fim.
Insistência
Se você tiver mais rascunhos ou tentativas falhadas do que textos que considera satisfatórios, insista um pouco, remoendo o mantra de William Faulkner, de que a literatura é feita de 90 por cento de transpiração e só de 10 por cento de inspiração.
Mas, depois disso, o melhor é adiar a tarefa, tomar um banho, dar comida para o gato, comprar pão, colocar a roupa suja na máquina de lavar, essas coisas que nada têm a ver com essas fugidias palavras.
No caso de você ser teimoso, resolva fazer um primeiro rascunho. Ele certamente não será o texto que você escolherá no final. Vá escrevendo frases que lhe venham à mente, elas poderão surgir depois como um caminho no qual você andou apenas uns poucos passos. Se você tem o hábito de escrever em pequenos parágrafos, tente-os encompridar. O resultado pode ser exatamente o que você está querendo, apenas pela quebra de um hábito. Falando em hábito, qualquer escritor lhe falará que é muito importante que escreva todo dia, fim de semana inclusive, nem que seja apenas alguns parágrafos. Seu texto e seus futuros leitores agradecerão por essa persistência.
Relendo o que você escreveu, certamente quererá escrever mais, retocar e, de repente, a página em branco não será mais um tormento. E saberá então que a regra se confirma: bons textos não são abundantes. Claro, eles podem acontecer em 20 minutos de escrita ou em horas e horas.
Mão e computador
Experimente — às vezes dá certo — escrever à mão e depois copie tudo ao computador. Escrever na tela tende a nos levar a uma superestima do texto. Num velho caderno, você pode rabiscar seu texto, o que muitas vezes leva a novas idéias ou formas. Além de ser bem mais portátil e prático que um PC ou mesmo um notebook.
Se você sair de casa, pode ser recompensado também por distrações que amenizam os redemoinhos na sua cabeça.
Uma boa ajuda para preencher decentemente páginas em branco é ficar longe de telefones, e-mails e internet. Até você ter escrito sua cota diária. Escrever pela manhã, se possível, período do dia em que os problemas do dia o atingirão menos e também porque você estará mais próximo do estado de sonho e da inconsciência. É o que o bom senso chama de “cabeça fresca”.
Se estiver escrevendo um conto, tenha planejado uma linha mestra para a história e não se esqueça de que, numa ficção curta, o desenlace é mais importante que o começo. Já o romance não precisa de uma “grande história” no começo. Você terá bastante cenário, personagens e conflitos para ir acertando isso. Pense quantos livros de que você gostou e retratam uma festa, uma pequena batalha, um namoro, uma obsessão. Um desses últimos é um livro que começa apenas por uma pequena frase que nem chama a atenção: “Chamem-me Ishmael”. No entanto, é uma das mais famosas primeiras frases da literatura e é da obra-prima de Herman Melville, Moby Dick.
Autoconfiança
Boa parte do bloqueio da página branca inicial vem da autoconfiança. Você tem de escrever com certeza. Não espere a inspiração ser trazida por uma musa, que isso não acontece. Algumas pessoas muito criativas parecem ter facilidade para jorrar idéias. Mas pode haver variantes por aí. Há escritores que só funcionam a todo vapor quando recebem elogios constantes. Uma crítica mais azeda e eles ficam imobilizados, incapazes.
Diante de um bloqueio criativo, não ajuda nada ficar se comparando a outros escritores, como Franz Kafka.
Ficar se comparando com outros escritores é bobagem. Você olha a sua primeira linha e enxerga Franz Kafka escrevendo a primeira linha de A Metamorfose: “Quando Gregor Samsa acordou, certa manhã, de sonhos perturbadores, ele se viu transformado, na sua cama, em um inseto gigantesco."
Todo mundo, Kafka inclusive, teve seus problemas para escrever. E ele até quis que seu amigo Max Brod pusesse fogo naquilo que considerava uma obra falhada.
Cutucar o leitor
O primeiro parágrafo ideal tem de cutucar o leitor. Pense nisso quando for escrevê-lo. Um bom truque é usar as perguntas clássicas do lead (a abertura de um texto) jornalístico. Sem pensar numa ordem rígida, o primeiro parágrafo, em geral, deve criar uma situação de estranheza para quem lê. Ele vai querer saber quem são os personagens, suas motivações, ter informações sobre o ambiente e o tempo em que aquilo está acontecendo e as razões subjacentes à ação.
Há quem diga que a mente é como qualquer músculo: precisa ser exercitada. Assim, um aquecimento ajuda. Segundo essa tese, é bom escrever alguma coisa como um e-mail, tomar umas notas sobre o que você irá produzir, arranque-se da contemplação da página branca e tente criar um formato novo de texto usando as ferramentas do micro, ouça uma música que você ache estimulante, até mesmo um trecho de DVD. Algo que espicace você, mas não o distraia do que está no primeiro plano: escrever.
Afinal, você tem de encher todo aquele espaço em branco com exemplos de primeiras frases como “Um grito atravessou o céu”, de Thomas Pynchon, em Gravity's Rainbow, ou “A tristeza, a incompreensão e a desigualdade de nível mental do meu núcleo familiar, agiram sobre mim de modo curioso: deram-me anseios de inteligência”, de Lima Barreto, em Recordações do Escrivão Isaías Caminha.
*Artigo publicado na Revista Língua Portuguesa nº 17, março de 2007
(www.revistalingua.com.br)
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