Dentro do coração selvagem
Robson Oliveira
O fim da tarde chegava e com ela um pôr-do-sol que tingia o horizonte ocidental, com esplendorosas cores em fuga, permitindo ao azul do céu mesclar com o negro da noite, formando um imenso manto azul-celeste, com tímidos pontos cintilantes de estrelas que surgiam ao longe.
Um grupo de viajantes cansados chegou à savana, juntando-se em roda naquele crepúsculo em que a brisa anunciava uma noite agradável depois do escaldante calor do dia.
Eles estavam na aurora dos tempos e a vida continuava a dar seus primeiros passos e havia tanto a ser descoberto, criado e construído. Era inevitável não se deslumbrar com tudo, afinal, tudo era tão grande, assustador e novo. A dimensão colossal do horizonte escondia da vista lugares secretos prontos para serem desbravados. Tão maravilhosas eram as imensas colunas de montanhas ao longe, cobertas por majestosas nuvens brancas, que chegava a assustar os pequenos corações.
Quando do grupo se aproximou e uniu-se a ele o mais velho, e mesmo com passos cansados e aparência frágil, sua presença gerava segurança pelo olhar sereno e pela postura rígida da cabeça que nem o tempo esmoreceu. Qualidades que foram adquiridas com o caminhar de muitas luas.
Todos se sentavam em volta do chefe, como era respeitosamente chamado, e, como de costume, conversavam sobre tudo aquilo. Um dos mais jovens perguntou por que alguns lugares são tão árduos e outros tão aconchegantes; não poderia ser tudo de uma única forma? O velho chefe, mascando algumas raízes, pára por um instante e seu olhar se fixa num ponto distante do horizonte, como se lá procurasse a resposta do pequenino e com olhos ainda distantes respondeu ao jovem que devemos saber sobreviver nos dois tipos de lugares, porque assim teremos força para lidar com as adversidades e a boa-venturança.
Muitas perguntas foram feitas naquela noite iluminada somente pela intensidade do brilho das estrelas e da grandiosa lua que já velava o sono dos mais cansados. Algumas das perguntas eram fáceis e outras difíceis de serem explicadas, enquanto havia também aquelas ainda sem respostas. Com um sorriso perene, que escondia algo misterioso e fabuloso sobre a vida, o ancião olhava para todos, confortando-os até mesmo quando não tinha uma resposta para lhes dar.
Assim eram todas as noites desde o dia em que foram chamados à vida. Os perigos e a tristeza passaram a ser velhos conhecidos, dando a impressão de que nasceram juntamente com aquele vasto mundo.
A busca por alimentos esgotava o grupo e o tornava alvo fácil de criaturas assustadoras que povoavam todas as partes. Sobre cada uma delas havia tanto para se aprender, evitar e temer.
Mesmo assim, o ancião sabia que todas essas criaturas, todas as vidas deviam ser respeitadas, essa era a essência do ensinamento que passava para todos, como regra de vida para garantir segurança e paz.
A noite passou e com ela sonhos se foram e esperanças renovaram-se para mais uma longa jornada no dia seguinte.
A manhã cinzenta, com sol pálido, dá sinal de que água cairá do céu e precisam se preparar. Ao seguir pela grande savana, o ancião continuou a explicar o propósito de cada ser vivo, sem ignorar o incessante esforço dos mais pequeninos e sem menosprezar o lento passo dos grandes paquidermes. Assim, toda sorte de criatura ganhava um sentido e importância. Os jovens do grupo entendiam o que era liberdade ao verem os pássaros no céu; sabiam o que era persistência ao observar a aranha em sua teia e que era preciso renovar para sobreviver, assim como uma serpente troca de pele ou uma lagarta se torna borboleta.
A passos constantes, distâncias eram superadas e novas criaturas eram decifradas: a esperteza da hiena; o oportunismo do chacal e a ferocidade da onça. Cada uma com sua qualidade. Cada uma a sua maneira.
Ao longe, um jovem pergunta ao velho chefe sobre uma criatura que ainda não tinha visto. Pacientemente, o ancião tenta decifrá-la, explicando que se tratava de uma bela criatura cheia de significados e, como poucas, possuía quase todas as qualidades das outras e pela sua majestade era conhecida como o rei dos animais. Possuía a voracidade do fogo e o apaziguado da chuva. Sua alcatéia era inimiga de outras. A comida e os territórios eram alvos de ferrenhas disputas e os mais fortes mantinham o domínio. Mas, explicou, devia ser também respeitada e protegida a qualquer custo, por representar igualmente o prodígio da natureza em relação à vida, sendo, portanto, sagrada.
O ancião contemplou a temível criatura com coração compreensivo, embora temeroso. Depois de muita reflexão suspirou...
Será ele humano? Pergunta-se o velho chefe antílope.
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