Suelene e o Guapuruvu

Liana Ferreira












Caminhava tristemente pelas entrequadras. Ia sem rumo e sem pressa. Acostumou-se a perambular pelos jardins bem cuidados, à sombra de árvores forasteiras, tal qual ela própria. Olhava o céu ali tão próximo que quase podia alcançá-lo. Gostava dos grandes espaços urbanos, de andar pelas ruas sem esbarrar na multidão e apreciava, ainda mais, o trânsito de automóveis quase sem buzinas. Tudo tão diferente da São Paulo onde viveu até os 45 anos, daquele Jaraguá caótico, com poucas e empoeiradas árvores, onde tudo beirava ao cinzento.


Chegou a Brasília em um novembro qualquer e deparou-se com os flamboyans floridos.Muito rápido deixou de andar cabisbaixa, tantas e tão lindas eram as flores para admirar: patas-de-vaca, spatodias, guapuruvus, sibipirunas, mungubas, jacarandás e Ipês-roxos, rosas, brancos e amarelos. Achou que num lugar tão diferente poderia viver uma vida nova, longe dos problemas que fizeram dela essa mulher amarga, superalimentada de mágoas.


Casou-se pela terceira vez com um funcionário público que, se não a espancava como os maridos anteriores, também não a respeitava . Era infiel e desatencioso. Estavam juntos há 12 anos e esse casamento seria para sempre. Ela era a governanta e enfermeira de que ele tanto precisava e ele o provedor de suas necessidades materiais mais básicas. Não foi com uma relação assim que sonhou tanto. Queria amar e ser amada. Sempre achou que era possível viver um grande amor e saiu tentando.Pretendia caminhar com alguém cujo destino se cumprisse junto ao seu.


Quando casou pela primeira vez aos 15 anos, tinha, além de um exército de hormônios enlouquecidos, a certeza de ter encontrado o companheiro para uma vida. Logo viu que se enganara. E seguiu vivendo, acumulando tentativas e desenganos.


Não teve filhos, apesar de ter engravidado três vezes.


A cada aborto sentia-se menor, restrita, limitada. Queria ter filhos para conduzir pelas mãos, transmitir suas experiências, dividir alegrias e tristezas.Dar afeto. A falta de filhos fazia com que percebesse a banalidade de sua existência, uma forte sensação de que estava passando pela vida despercebida, sem deixar marcas ou rastros. Invejava as mulheres que percebia realizadas na maternidade.


Foram tantas as renúncias que perdeu a conta. Foram tantos os atos praticados sob coerção que desenvolveu uma apatia crônica. Não era alegre, nem era triste: não era nada.


Suelene sente sobremaneira o peso dos anos, está incomodada e abatida. Olha-se de frente e vê-se apodrecendo, sua seiva é escassa e suas raízes frágeis. Faltou-lhe poda e adubo. Ameaçando desabar, bom seria que seu fim fosse abreviado, tal qual o inadaptado guapuruvu derrubado em frente ao edifício amarelo da Câmara, cuja ausência, tão pouco reclamada, deixou o prédio mais amarelo e mais nu.










Liana Cristina de Oliveira Ferreira nasceu em Belém do Pará, em 1957. É Bacharel em Psicologia, formada pela Universidade Federal do Pará. Mora em Brasília desde 1983, ano em que começou a trabalhar na Câmara dos Deputados. Começou a escrever contos nas oficinas literárias do Espaço Cultural Zumbi dos Palmares, sob a orientação do Prof. Marco Antunes. Participou da primeira coletânea "Literatura de Câmara", em 2004. Foi jurada no 1° Desafio dos Contistas do Núcleo de Literatura e patronesse do prêmio Melhor Conto em Comédia ou Infantil. O texto "Suelene e o Guapuruvu" foi publicado em 2007 na Revista Vagalume (http://www.revistavagalume.com).



Comentários

  1. Tive o privilégio de elogiar esta crônica na oficina literária.
    Gostei de novo.

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