Sem trololó nem xurumela



— Eu vou lhe incomodar, mulher.
A voz possante, o sotaque potiguar, as implicações que ela adivinhava no verbo “incomodar”, tudo isso dava à frase um forte apelo erótico. Será que o antigo colega de ginásio, agora reencontrado num curso de reciclagem na empresa, era igualmente vigoroso em outras áreas? Havia evidências disso: três ex-mulheres e sete filhos.
Ela acabara de trazer das férias o minúsculo Dicionário de Potiguês e o volumoso Dicionário do Nordeste, com 5.000 palavras e expressões. Procurou em ambos, no verbete “incomodar”, algum sentido que confirmasse sua intuição — encontrou “perturbar”, que, por sua vez, remeteu a “desassossegar”. Sim, ela queria ser desassossegada. Aproveitou para estudar o minidicionário. Quem sabe usaria seus conhecimentos muito em breve?
Por coincidência... não, por força do destino, reencontravam-se após 30 anos. Ela sempre o admirara de longe, na escola. Quem sabe era o homem da sua vida, como naquele filme do Tom Hanks? Imaginou-se desfrutando a lua-de-mel nas dunas de Genipabu.
A oportunidade de se verem extraclasse surgiu quando ele faltou a duas aulas importantes e precisou recuperar o conteúdo perdido. Quando ela se ofereceu para ajudá-lo, ele segurou o braço dela com força e disse, pela primeira vez, a frase que a deixava levemente excitada.
— Mulher, eu vou lhe incomodar.
— Por favor, me incomode muito e logo - ela teve vontade de responder.
Nas três semanas seguintes, ele repetia a frase ambígua no intervalo da aula, sem nunca concretizar a promessa. Chegaram ao final do curso sem que ele a tivesse incomodado.
No dia do encerramento, ela vingou-se aplicando o vocabulário adquirido no Dicionário de Potiguês:
— Eu vou lhe incomodar, mulher - disse ele, despedindo-se.
— Deixe de trololó, homem.
— Tu tá mangando de mim? - estranhou ele.
— Não, eu tô é aperreada com essa xurumela!
— Ôxi, mulher! Então, eu não vou mais lhe incomodar. - Foram as últimas palavras do brocoió.

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