Felicidade, eu tenho!

Sábado à tarde, comemoração do Dia das Mães na escola. Pela manhã, já ganhei o presente: um cartão tridimensional feito na aula de artes. No centro dele, um menininho com um coração pregado no peito diz que sou legal e que gosta muito de mim.
O estacionamento, insuficiente em dias normais de aula, hoje cospe os carros para as quadras vizinhas. Paramos a quase um quilômetro de distância e fazemos o trajeto a pé, no sol escaldante das 15 horas. Dezenas de famílias fazem o mesmo.
O pátio está lotado. Levo meu filho ao camarim, enquanto vou à Secretaria pegar a camiseta que devo usar no evento. Ela é preta e tem frase estampada em vermelho: “Felicidade, eu tenho!” A das crianças é branca, com os mesmos dizeres. Por precaução, encomendei o tamanho GG. Foi exagero: ela quase chega aos meus joelhos, mas não há outra disponível.
A diretora lê um bonito texto, ao qual ninguém presta atenção. Todos se fazem a mesma pergunta: “Quando vai começar?”, ou melhor, “Quando vai terminar?”
Com meia hora de atraso, ouvimos tambores, flautas e chocalhos. É a “centopéia” que vem nos buscar. Professoras vestidas de inseto vão recolhendo as mães e os convidados para levá-los ao auditório. Sou puxada por uma desconhecida, que me segura firme pela cintura até chegarmos ao nosso destino. Ensaio os passinhos, mexo a bundinha e canto, indecisa, o refrão composto pela professora de música:

“A centopéia me mandou te convidar
Para esta festa de sorrir e de cantar
Mão na cintura
Cai pra lá, depois pra cá
Essa alegria veio pra contagiar
Hey! (levantam-se as mãos)”.

Por sugestão da diretora, cada turma se apresenta três vezes: a primeira, para o deleite dos pais; a segunda, para as fotos; a terceira, para a troca de posição no palco, de modo que todos tenham a chance de ficar na frente. As vozes são desencontradas e os sorrisos, desdentados. Algumas crianças choram e são socorridas pelas mães; outras, em cadeiras de rodas, participam à sua maneira do espetáculo. Todas são lindas.
Dezenove horas: é a vez do ensino fundamental. Meu filho entra, ansioso, e me procura com o olhar. Eu me levanto, mostro a ele que estou usando a camiseta e, não fosse minha timidez, também assobiaria alto e daria uns pulinhos de incentivo. Ele sorri e me aponta aos colegas. Tento fotografá‑lo, mas justamente nesse instante um enorme traseiro passa na frente da câmera.
A apresentação tem início com uma complexa coreografia, que consiste em extrair sons do próprio corpo com as mãos. O maestro é um desinibido aluno da 2ª série. Fico sabendo depois que o “peito, estala, bate; peito, estala; peito, bate” é dolorido, pois é preciso bater forte para conseguir bom resultado. Multipliquem-se os tapas por três...
É também de autoria da professora de música a homenagem que eles cantam, desafinados:

“Mamãe, eu te dei meu coração
E olhe só o que você fez:
Abriu-lhe a porta devagarinho,
Encheu de amor, ternura, luz e carinho.

Não sou anjinho, eu sei.
Piso na bola, eu sei.
Por isso, eu preciso muito de você.
Mamãe querida,
Meu paraíso é você na minha vida”.

A emoção toma conta da platéia. Mães, pais, avós, bisavós, babás e outros presentes disfarçam as lágrimas, pedem bis e “tris”. É a música mais linda que já ouvi!
Mais tarde, em casa, ele pergunta se pode dormir com a camiseta. Digo que sim, e também vou dormir com a minha. Felicidade, nós temos! Estou decorando o refrão da centopéia para a festa do ano que vem.

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