Enamoramento 1


Maria Amélia Costa


Olha-o por trás. Sentada ao lado dele fez com o olhar um contorno impossível. Ela gosta de olhar por trás, comedida em feições que se expressam na clandestinidade de quem acredita que pode ver além. Não ser vista e assim cercar o ser amado com cercanias quadradas, redondas, perpendiculares, transversais. Trazer fiozinhos sutis e delicados das entranhas da terra para o atravessarem, o fixarem e o aprisionarem no tempo que é só dela. No tempo que é dela quer, também, vê-lo pelo lado do lado dele: nem à frente, nem atrás, nem de cima. De cima, talvez. Contudo, de lado. Mas, não quer ser vista. Nessa condição clandestina o olhar o atravessa na pretensão de luz que tudo ilumina, decifra, expõe, constrange. Ele está distraído com alguma coisa, tocando alguma coisa ou, simplesmente, olhando em frente enquanto fala com ela. Mas ela não quer falar. Talvez até queira. Talvez até fale uma banalidade qualquer. Mas, definitivamente, não é falar o que ela quer. Não naquela hora. Naquela hora o que ela quer é olhar para ele e se concentrar nesse encantamento, com a intensidade de uma posse solitária. Aquele tempo era só dela por isso precisava se entregar e fazer tudo por inteiro. Pára de respirar por um instante, naquele instante que ela insiste na imobilidade do tempo. Fixa o olhar carregado de alma em algum ponto dele. O ponto adquire dimensões grandiosas porque está emoldurado em um retângulo que contorna o infinito, para abrigá-lo.

Há, também, uma criança de cabelos lisos que se mexem porque ela se mexe em movimentos naturais de criança, subindo e descendo por degraus de um lugar rústico. Ela, a criança, está fora do quadro, do tempo, do espaço. A criança se move.

Mas ela... Ela não podia se dispersar em movimentos. Poderia dizer-se que precisa renovar os esforços de atenção para não sair daquele contorno que ela elegeu e o colocou no centro. Mas não vai dizer isso porque ela traz a alma no olhar e assim está inteira naquele gesto que não quer chamar de gesto porque esta é uma palavra insignificante demais para representar o conjunto daquele instante. O cabelo dele estava com os fios sobrepostos em pontos irregulares formando uma superfície uniforme. Quis tocar um a um aqueles fios e se demorar muito nisso, na imobilidade intensa de quem toma para si, em posse, a finitude e infinitude de arranjos assim. Tomar para si um si que é só seu. O cabelo contornava e ela foi deslizando o olhar acompanhando aquele contorno que marcava a testa, a orelha, a nuca. Marcava o ser. Quis acariciar, mas ela não podia fazer isso porque estava sem respirar na intensidade da entrega. Na imobilidade da posse. Ela o amava e o olhava de lado. Na clandestinidade. Na clandestinidade podia fazer qualquer coisa e nessa liberdade o possuir por inteiro aprisionando-o naqueles contornos que ela mesma desenhou. Mas não eram os contornos que davam o sentido para aquele momento de êxtase que ela insistia em não dividir.

Assim, na liberdade, ela o fez levantar-se e sair.

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