Barriguda
— Quantos meses?
— Que barriga linda!
— Já sabe o sexo?
Por onde eu andava, recebia olhares e perguntas gentis. Nas filas do banco, o guarda ou gerente vinham me lembrar do atendimento preferencial às gestantes. Jovens e idosos se levantavam para me ceder o lugar. Mulheres me olhavam com inveja. Uma senhora de cabelos brancos no parque pediu permissão para tocar meu ventre e se emocionou ao ouvir um coração batendo. Uma colega disse que minha pele estava linda; outra previu que seria menino, pelo formato pontudo da barriga.
Durante meses fui alvo de incontáveis delicadezas. Só havia um problema: eu não estava grávida. Na verdade, eu tomava um remédio que dilatava o abdômen e causava a protuberância. Quando surgiram as primeiras perguntas, eu tentava explicar a situação. Depois me cansei e resumia a resposta a “não estou grávida”. Em seguida, adotei o comportamento passivo-agressivo:
— Onze meses.
— A sua também.
— É gay.
Encolhia a barriga e prendia a respiração sempre que me aproximava de uma pessoa ou entrava num ambiente. Pensei em colocar um anúncio no mural: “Não estou grávida”.
— E aí, barrigudinha, vai um pão-de-queijo? - Perguntava todo dia a moça do lanche.
— Temos vestidinhos lindos para gestante - me ofereceu a vendedora de uma loja infantil onde entrei para comprar um presente de aniversário. Passei a odiar a palavra “gestante”.
Uma barriguda desperta enorme atenção aonde quer que vá. Talvez a espécie humana reconheça ali o triunfo da sobrevivência. Talvez a memória da vida uterina seja reativada. Talvez as pessoas devessem cuidar de suas vidas em vez de encher o saco.
Seguindo o conselho de um amigo, comecei a recitar a Oração da Serenidade diariamente e superei o comportamento passivo-agressivo. Respirava fundo e triunfava sobre meus instintos mais primitivos toda vez que precisava dizer: “não estou grávida” — certo dia, contei cinqüenta vezes.
Finalmente, terminei o tratamento e deixei de tomar o remédio. Aos poucos, o barrigão voltou ao normal e não mais suscitava perguntas embaraçosas.
Passado algum tempo, uma colega novata pediu que eu participasse de uma pesquisa de ergonomia do curso de pós-graduação na UnB. Concordei, solícita, e ouvi a primeira pergunta:
—Você considera que a perda do seu bebê se deveu às más condições no ambiente de trabalho?
( ) Sim ( ) Não Justifique: ____________________________________
Respirei profundamente antes de responder:
— Barriguda é a puta que te pariu!
— Que barriga linda!
— Já sabe o sexo?
Por onde eu andava, recebia olhares e perguntas gentis. Nas filas do banco, o guarda ou gerente vinham me lembrar do atendimento preferencial às gestantes. Jovens e idosos se levantavam para me ceder o lugar. Mulheres me olhavam com inveja. Uma senhora de cabelos brancos no parque pediu permissão para tocar meu ventre e se emocionou ao ouvir um coração batendo. Uma colega disse que minha pele estava linda; outra previu que seria menino, pelo formato pontudo da barriga.
Durante meses fui alvo de incontáveis delicadezas. Só havia um problema: eu não estava grávida. Na verdade, eu tomava um remédio que dilatava o abdômen e causava a protuberância. Quando surgiram as primeiras perguntas, eu tentava explicar a situação. Depois me cansei e resumia a resposta a “não estou grávida”. Em seguida, adotei o comportamento passivo-agressivo:
— Onze meses.
— A sua também.
— É gay.
Encolhia a barriga e prendia a respiração sempre que me aproximava de uma pessoa ou entrava num ambiente. Pensei em colocar um anúncio no mural: “Não estou grávida”.
— E aí, barrigudinha, vai um pão-de-queijo? - Perguntava todo dia a moça do lanche.
— Temos vestidinhos lindos para gestante - me ofereceu a vendedora de uma loja infantil onde entrei para comprar um presente de aniversário. Passei a odiar a palavra “gestante”.
Uma barriguda desperta enorme atenção aonde quer que vá. Talvez a espécie humana reconheça ali o triunfo da sobrevivência. Talvez a memória da vida uterina seja reativada. Talvez as pessoas devessem cuidar de suas vidas em vez de encher o saco.
Seguindo o conselho de um amigo, comecei a recitar a Oração da Serenidade diariamente e superei o comportamento passivo-agressivo. Respirava fundo e triunfava sobre meus instintos mais primitivos toda vez que precisava dizer: “não estou grávida” — certo dia, contei cinqüenta vezes.
Finalmente, terminei o tratamento e deixei de tomar o remédio. Aos poucos, o barrigão voltou ao normal e não mais suscitava perguntas embaraçosas.
Passado algum tempo, uma colega novata pediu que eu participasse de uma pesquisa de ergonomia do curso de pós-graduação na UnB. Concordei, solícita, e ouvi a primeira pergunta:
—Você considera que a perda do seu bebê se deveu às más condições no ambiente de trabalho?
( ) Sim ( ) Não Justifique: ____________________________________
Respirei profundamente antes de responder:
— Barriguda é a puta que te pariu!
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