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Mostrando postagens de março, 2008

O Último Diálogo

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Mônica Thaty Era o fim. Mas nada de finais apoteóticos, grandes efeitos especiais. Não para ele. Apenas o fim, escrito sem qualquer rebuscamento sobre um fundo preto, enquanto os créditos passavam, monotonamente, ao som de uma melodia melancólica. Válter sabia o que tinha de fazer ao chegar em casa. Arrumar as malas. Poucas roupas. Os livros preferidos. Os CDs do Tom. Talvez os do Vinícius. Os do Chico? Não, era coisa demais. Não queria ficar naquela casa mais tempo do que o necessário. Assim que entrou em casa, e arrastou o corpo cansado até o seu quarto, Válter já ouviu a voz de Diana. — Você está atrasado, meu bem. A voz dela era doce, e ele chegou a sentir um calor no estômago. E estava vestida com um conjunto de lingerie que... Que por um momento ele pensou que fosse para ele. Ilusão que não durou mais do que poucos segundos. — Você tem menos de meia hora para se arrumar. Não podemos chegar tarde na casa da Lucinha e do Jair. Tudo aquilo era para o outro, o acompanhante. O pedaço

SHIFT-DEL-DEL-DEL

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Luci Afonso As mensagens de desconhecidos ocupam espaço considerável na minha caixa de correio eletrônico. Claudinha Araripe adora fotos. Mandou-me todo o registro fotográfico da recente viagem à Grécia e à Espanha, onde esteve acompanhada do namorado e de um amigo. Enquanto eu trabalhava, pude ver como os três se divertiam em visita a belas paisagens e monumentos. Alexandre Maciel comercializa produtos naturais. É muito atencioso. Envia lista diária de preços e benefícios dos produtos, acompanhada de análise minuciosa das doenças em questão. Só utiliza fontes confiáveis, como as revistas IstoÉ e Superinteressante. Ultimamente, tem diversificado as atividades: está vendendo excelentes apartamentos em Águas Claras e procurando gatinhos — animais, presumo — para adoção. Correspondentes internacionais de diversos continentes me mantêm informada sobre a evolução na pesquisa de drogas para o combate à disfunção erétil. Descrevem também as últimas descobertas científicas no tocante ao aument

O segredo do diálogo*

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Técnica da conversa ajuda a dar cor e força para a ficção, mas requer cuidados para não se errar o tom por Geraldo Galvão Ferraz Pergunte a qualquer escritor. Ele certamente dirá que o diálogo é a alma do texto de ficção. Da mesma forma que as conversas é que dão vida às relações entre as pessoas, no cotidiano. Claro, os personagens agem e essas ações podem ser narradas ou descritas. Mas, com os diálogos, as ações e, por extensão, as tramas em que estão envolvidos ganham brilho, agilidade e uma camada de informações suplementares sobre ele e a situação que está sendo narrada. Pode até se dizer que não há conto ou romance sem alguma forma de diálogo. Como os escritores consagrados podem confirmar, o bom diálogo é uma das ferramentas literárias mais fáceis de dominar. Afinal, todo mundo fala e se comunica, basta caprichar. Mas é preciso cuidado ao usá-lo. Se um bom diálogo até salva um mau texto de ficção do desastre completo, um diálogo medíocre pode arruinar uma boa história. Os manuai

Comentário sobre "Velhota, eu?"

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Miliane Benício Minha cara Luci, Tive o privilégio de vê-la pela primeira vez no lançamento do seu livro “Velhota, eu?” na Feira de Livro de Brasília, no ano passado. De fato, quando cheguei e mostrei-me tão à vontade – mais isso só aparentemente, pois me encontrava tão confortável como um pé tamanho 42 calçando meia soquete, num sapato 38 – na sua e na presença da minha mestre e amiga Maria Alexandra, o que a visão óptica me projetou foi um corpo docemente feminino. A projeção em cores de uma mulher meiga e ingenuamente poética. Bom, essa foi uma primeira apresentação. Digo isso por que acho que na medida em que convivemos com as pessoas, a cada experiência compartilhada, somos reapresentados. Reapresentados a novos moradores habitantes da mesma casa espiritual e, todos, unidades de uma mesma alma, diversamente complementares de um todo integral e maravilhosamente fascinante. Então, aconteceu. Fui uma segunda vez apresentada. O diálogo começou de modo inteiramente diferente. Não tinha

1° Encontro Mensal do Ciclo de Leituras no CEFOR

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Sexta-Feira, dia 28 de Março de 2008, meio dia e meia! A partir desta semana, toda última sexta-feira do mês temos um encontro marcado no Auditório do CEFOR. Lá faremos a leitura comentada de textos de nossos autores homenageados, este mês, Machado de Assis e grandes letras de Milton Nascimento. Sempre escolheremos cinco de nossos autores do Núcleo para nos mostrarem suas produções pessoais. É muito importante que você, nosso amigo, esteja conosco nestes encontros mais do que especiais. Nesta sexta teremos: - Dois textos de Machado de Assis - Cinco grandes canções de Milton Nascimento projetadas do show “Tambores de Minas” - Textos de Luci Afonso, Alexandra Rodrigues, Roberto Klotz, Amélia Costa, Isolda Marinho e Marco Antunes - Lanche logo após: Puchero de Lentilhas acompanhado de refrigerante e todas as guloseimas que vocês trouxerem para a festa.

Fedor

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Meu gosto por flores é antigo. Eu as compro toda semana para minha casa e agora adotara o hábito para a sala que ocupava como diretora. Coloquei-as num vaso de cristal ao lado da porta, para que fossem vistas do corredor. Algumas colegas apreciaram a iniciativa. Outras não lhe deram importância. Uma detestou. Certa manhã, ela veio correndo à minha sala logo que cheguei: — Os girassóis estavam um fedor! - disse ela em voz alta, tapando o nariz para enfatizar a mensagem. Notei que alguém havia retirado a água do vaso e colocado toalhas absorventes no fundo. — Um fedor! - ela repetiu, olhando, com ar de censura, as gérberas que eu trouxera para substituí-los. — É hora de jogá-los fora - respondi, com calma. — Um fedor! - ela insistiu, antes de voltar para sua mesa, batendo os tamancos. Ocupei a sala por pouco tempo. Minha substituta não aprecia flores, mas elas continuam enfeitando minha casa. Os girassóis são círculos de luz sobre a toalha branca. As gérberas são graciosas bailarinas, a

Pastiche

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Robson Oliveira Sabe, não tenho nada contra as pessoas que são suscetíveis à moda e se deixam levar pela mídia. Não sou completamente contra a cultura de massa, mas confesso que acho de uma idiotice tremenda viver em função disso como se fosse o mundo real. Comprar revistas que vêm com brindes como um CD de música erudita — diga-se de passagem, muitas vezes essas músicas não vêm completas —, quando não é um pôster de tamanho 420x594, que as pessoas adquirem e ostentam como se fosse um Cézanne ou Monet. Enfim, é algo que procuro sempre sublimar. Mas, por ironia dessas que só a vida sabe nos pregar, algo me aconteceu no início desse semestre. Ela era linda. Pegava sempre o primeiro ônibus para o Campus. Nesse período, eu já tinha começado a monitoria nas aulas de ética e estava no final de meu curso, filosofia, percebe-se agora por que sou tão crítico! Pois então sempre procurava pegar o mesmo ônibus para vê-la todos os dias. No começo, confesso que não a achei lá essas coisas não; era

A escrita de uma crônica*

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O gênero ao mesmo tempo jornalístico e literário, baseado na subjetividade e em visão própria do mundo, exige estratégia de estilo para não ser confundido com outras formas de texto. por Geraldo Galvão Ferraz O que é uma crônica? Praticamente todos os cronistas já usaram esse tema para fazer uma crônica. Ou até mais de uma. Acho que só perdem para os poetas, que vivem escrevendo poemas para conceituar a poesia. Muita gente acha que escrever uma crônica é coisa fácil, assim como muita gente que vê obras de pintores abstracionistas diz: “ Ah! Isso, meu filho (de três anos) faz o tempo todo!” Mas fazer uma crônica, sobretudo como os cronistas profissionais, que têm de produzir um texto diário ou semanal, com um nível aceitável, que os faça manter seus leitores até o dia ou a semana seguinte, não é nada fácil. Essa sensação de facilidade, em parte, vem das próprias definições dos cronistas. Há uma, de Fernando Sabino, que é bem conhecida: “ Algo para ser lido enquanto se toma o café da man

Sarau Mulher Poesia

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O Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados — CEFOR convida para o Sarau Mulher Poesia , no dia 17 de março, segunda-feira, às 19 horas , no auditório da nova sede do Centro. Textos de Cecília Meireles, Cora Coralina, Adélia Prado e Clarice Lispector, de poetisas da Casa e participação de cantoras convidadas. O prédio do CEFOR fica na Coordenação de Transportes, Setor de Garagens Ministerial Norte, ao lado da Gráfica da Câmara dos Deputados( http://cefor.mapa.googlepages.com/ ).

Quanto mais dor, melhor!

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— Dói? — Dói. — E aqui? — Também. — Muito ou pouco? — Muito! — Quanto mais dor, melhor! Eu conhecera Nalva numa festa de aniversário, na qual recebi a primeira massagem tão logo ela tomou conhecimento do meu problema: bursite no ombro direito, que já comprometia o movimento dos membros — a mão inchara e perdera a força, enquanto os dedos do pé travavam a cada vinte passos, obrigando-me a mancar o restante do trajeto. Quando ficava nervosa, o lado direito do corpo tremia incontrolavelmente, dando a impressão de um ataque epiléptico. Além de massagista, Nalva era cabeleireira, depiladora, manicure, pedicure e artesã. Havia sido também guardete e telefonista. Carregava uma bolsa enorme, dessas que estavam na moda, com os apetrechos necessários a suas atividades, e se deslocava a vários pontos do DF. Levava sempre um livro sobre do-in para estudar no ônibus, pacotes de ervas para revender e uma Bíblia. Nas quartas à noite, inscrevia o nome das clientes na lista de orações da igreja e pedia

Alencar em Brasília, I e II*

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Ana Miranda “A crônica é a apropriação literária de um instinto humano. O de comentar a vida.” Um leitor perguntou a um cronista se a crônica estava acabando — como o livro está acabando, dizem as más línguas, como o romantismo está acabando, como a história, o amor, o pão-de-ló, a família, a honestidade, a infância, o machismo, a preguiça, o salário, a ideologia, a intimidade, o passeio noturno. O cronista respondeu que, por enquanto, ainda nem conseguiram definir o que é a crônica. Em sua nobre missão de sistematizar os equívocos, diz o antigo dicionário: “História ou narração dos fatos, segundo a ordem dos tempos”. Sim, antes de José de Alencar a crônica era a narração dos principais acontecimentos. Mas os principais acontecimentos podem ser: um par de luvas pretas esquecidas numa casa, uma amendoeira que perde suas folhas, os trovões de antigamente, o triste destino de Copacabana ou o poema que não foi aprovado, segundo Rubem Braga e Machado de Assis, dois cronistas que o tempo pre

Memórias de madame

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Robson Oliveira Que casa linda! É o que dizem quando me vêem. Mas houve um tempo — e que tempo bom aquele — em que meus salões eram fartos com convivas de todas as partes, gargalhadas de moças formosas misturavam-se a fumaças de cigarrilhas e ao odor volátil das bebidas, a vitrola... ah... ela enchia o ar com polcas alegres e dançantes, que tranqüilizavam e alegravam a todos. Toda minha opulência agradava aos poderosos da sociedade, não só pelo luxo, mas aqui eles se libertavam do pesado emaranhado de fios dos bons costumes, dando vazão aos desatinos da luxúria. Casa da madame Bordeaux, assim todos me conheciam, em função da fama da própria madame Zuleide. O Bordeaux ela adicionou para dar um ar sofisticado ao seu nome. Madame estava sempre bela mesmo quando não era hora de ofício. Fazia questão de eu estar igualmente como ela, glamourosa! Ela radiante com suas jóias e ornamentos pelos cabelos, eu com meus castiçais e candelabros luminosos; minha fachada é seu rosto, dizia ela, por iss

As lições de outros escritores*

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As manhas, as espertezas, os pulos-do-gato estão nas páginas dos grandes livros por Geraldo Galvão Ferraz Pode parecer um lugar-comum, mas é verdade verdadeira: a única arma que se pode usar para aprender a escrever é ler, ler muito. As lições que se tiram dos textos dos escritores que vieram antes de nós são inúmeras e valem a pena. O escritor iniciante, por mais talento que tenha, se depara com obstáculos que parecem intransponíveis. Até mais do que no futebol, a inexperiência torna os movimentos desarticulados, faz o praticante gastar esforços inúteis, deixa-o sem ação diante dos problemas. Muito disso pode ser evitado com o uso recorrente da leitura. Aprende-se como tal diálogo foi resolvido, como uma seqüência de ações chega a um final satisfatório, como a mocinha faz para escapar do vilão e cair nos braços do seu amado heróico. Ler, ler muito, ensina alguns truques do ofício de escritor. Por isso é que todo escritor profissional já revelou que lê muito. Claro, há aqueles que quer