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Mostrando postagens de junho, 2007

Inventário

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— Você mantém sua posição? - perguntou o diretor, o olhar duro e ausente. — Sim - respondeu, firme, sem deixar que a voz a traísse. — Então, vou ter de lhe pedir o cargo. Não se esqueça de transferir a carga patrimonial. Com os olhos úmidos, deixou a sala e pegou o celular para contar ao namorado o que perdera... O que perdera mesmo? Fez o inventário do acervo material do qual usufruíra: - A pequena árvore que fazia sombra na vaga privativa; - O jardim cheio de passarinhos visto da janela; - O sol da tarde que brincava na parede; - A chuva que acariciava o vidro; - O quadro com a mulher azul; - O vaso de cristal com flores renovadas toda semana; - O café servido na xícara em vez do copinho de plástico. Enumerou também o patrimônio imaterial que amealhara das pessoas à sua volta: - A alma larga e o riso triste do colega na sala à direita; - A solidão e o desespero mudos do ocupante do gabinete à esquerda; - A voz macia da amiga que cultiva orquídeas-de-metro; - A força da que conduziu c

Suspeito moreno, alto e forte

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A mulher olhava pela janela do apartamento quando o homem se aproximou devagar do Chevette. Ele andou em volta do carro, testando as portas para ver se estavam trancadas. Era moreno, alto e forte, usava bermuda, camiseta e chinelo. Tinha um jeito estranho. Com certeza, não morava na vizinhança. Prestou atenção ao que o homem fazia. Depois de olhar em volta, desconfiado, ele tirou do bolso um objeto que parecia um canivete e abriu a porta do motorista. Após verificar novamente que o estacionamento estava vazio, entrou no carro. O suspeito tentou dar a partida várias vezes. Ela tinha visto na TV que os ladrões usavam ligação direta. O que deveria fazer? Ninguém parecia notar o roubo. Após alguns minutos de hesitação, resolveu chamar a Polícia. Tomara não demorasse! Ela voltou, correndo, para a janela. Agora que ligara o motor, o homem tentava sair da vaga. Claramente, não sabia dirigir — parecia bêbado, ou pior, drogado. Talvez pertencesse à gangue de puxadores de carro que atuava nas qu

Uma casa para Loíde

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Foi vê-la logo cedo. Tinha que dar certo, era o preço que ela podia pagar. Subiu e dobrou algumas ruas, até dar de cara com o cemitério. Debaixo da placa, Corpo Santo, uns pássaros pretos pequenos. Pareciam filhotes de urubu, mas não tinha certeza. Nos muros rabiscados, ela gostou especialmente de algumas mensagens: “Vá com Deus, e fique por lá”; “A terra comeu seu cadáver, mas não vai engolir nosso amor”; “Querida, me espere: estou chegando”. Leu todas, por curiosidade. Chegou ao endereço no jornal. A casa era verde-clara e também tinha um nome: Pensão das Margaridas. No jardim, canteiros com rosas miúdas, as suas preferidas. Teve um bom pressentimento. Abriu a porta com a chave da imobiliária e parou, surpresa: as paredes tinham tantos rabiscos quanto o muro do cemitério, só que mais desbotados. Começou a analisá-los. As figuras pareciam as que enfeitavam as portas dos banheiros no ginásio, os quais, aliás, sempre fediam muito. Definitivamente, estava ali retratada a anatomia í

Casas de infância

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Nasci numa casinha humilde. Fotos em preto e branco mostram santos na parede, samambaias no armário, o jogo de porcelana pintado a mão, presente do casamento que logo acabou. Três degraus desciam para o banheiro escuro. À tarde, íamos com minha mãe comprar picolés de groselha, o sabor mais antigo na memória. Havia perto uma fábrica de cerâmica, cercada de imensas chaminés de tijolos. Aos 30 anos, na única vez em que voltei à cidade, guiei-me pelas chaminés e encontrei o barraco ainda de pé. Não pude ou não quis entrar. Tirei uma fotografia de fora do portão, guardei-a por algum tempo e depois a perdi. Papai teve êxito no comércio e alugou uma casa maior, em frente à vila dos bobinhos. Colméias se formavam nas árvores do quintal e taturanas amarelas queimavam nossos dedos em meio aos antúrios no jardim. Meu maior tesouro eram roupinhas de papel feitas com cola de polvilho e escondidas numa caixa debaixo da cama, longe de outras crianças. Ainda hoje procuro esse te

A caneta verde

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Meu tio era mascate de queijos e para anotar suas transações carregava blocos de recibo e canetas de diversas cores. Eu ainda não sabia escrever, mas desejava apaixonadamente a caneta verde. Um dia tomei coragem e a pedi emprestada. - Para quê? - perguntou. Eu não soube responder direito. Queria pegá-la, fazer traços verdes no papel. Ele me deixou segurá-la por alguns minutos. Ensaiei linhas, desenhei círculos tortos e a devolvi, trêmula de prazer. Nunca esqueci aquele momento: foi minha primeira crônica. Desde menina, fui testemunha silente e amorosa de existências que entrecortaram a minha e cuja beleza recôndita se revelava a meus olhos atentos. Fosse eu poeta, lhes dedicaria versos. Cronista, só posso esboçar frases para exprimir meu assombro. Começaria a falar da mãe de braços secos, que, hoje sei, derramava afeto em mil outros cuidados. Da avó adorada, que me segurava forte no colo enquanto assistia, impotente, à morte lenta do filho pelo álcool. Do pai que

Abram ALAS

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A Semeadora conclama poetas de todos os cantos da cidade para o II Sarau da ALA, mais nova entidade cultural de Brasília. Eles atenderão prontamente ao chamado de paz, pois sabem que a poesia é a última trincheira contra a indiferença que ameaça a espécie. Ao som do violão, um deles sonhará com uma manchete de jornal que celebre encontros como este, e não o último episódio de violência. Outros vão declarar sua paixão pela Capital e sua tristeza ao vê-la saqueada por bárbaros. Uma criança-poema rabiscará palavras que ainda não tem coragem de dizer em voz alta, mas que vão crescer e fertilizar futuros vinhedos. Testemunhos gravados em revoltos cadernos de espiral, o coro de vozes iguais e a intimidade do riso irmanarão almas. A Poetisa fecundará corações e mentes. As Gêmeas sobressaltarão os mais vividos com a ardorosa juventude. No círculo infinito de amores e sensibilidades, surge uma comunhão só exprimível em versos. A Cronista experimenta uma completude que há tempos não sentia. Não

Equinócio

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Manhã de sábado — a primeira cigarra. Cristina passeia, distraída, na feirinha de artesanato. Está de mãos dadas com o novo namorado, que veio de longe para vê-la. Passear de mãos dadas é uma experiência quase esquecida. Acontece na Asa Norte de Brasília, mas poderia ser numa rua em Paris, numa praça em Manhattan ou num bosque cheio de sol. Noite de sábado — as primeiras gotas de chuva. Victor Hugo faz aniversário. Desejava viver 115 anos, mas anda triste. Ressuscita uma planta quase morta, leva casacos para meninos que dormem no frio do parque, procura algum calor à beira-mar. Tem planos de percorrer sozinho a Estrada Real de Minas. No caminho ao passado, espera reencontrar a si mesmo, que perdeu de vista há algum tempo. Manhã de domingo — a primeira flor do ipê branco. Loyse pegou catapora e ficou dez dias de cama. Durante a febre, mergulhou com Barbies-sereias e cavalgou pôneis mágicos. Sonhou todas as noites com as coleguinhas da escola. Amanhã calçará sapatos novos para ensaiar a

Antiginástica

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— Você precisa fazer um trabalho mais forte com sua infância -, disse ele, virando-se na cama. Ela demorava duas horas para chegar ao orgasmo e chorava muito quando o atingia. Alguém estava com pressa? — Procure a Elza - ele continuou. — Ela acaba de chegar dos Estados Unidos com uma técnica nova. Uma amiga minha teve uma melhora im-pres-sio-nan-te. Você nunca mais será a mesma. Tratava-se da antiginástica, método de autoconhecimento que propiciava o contato profundo com o corpo e a liberação das emoções impressas no tecido muscular desde o momento em que nascemos. Elza atendia numa confortável casa no Lago Sul. A sala que servia de consultório quase não tinha móveis, apenas uma cadeira, um enorme tapete e um aquário sobre a mesinha de canto. Os peixes, grandes demais para o aquário, nadavam espremidos e, aparentemente, infelizes. — Seus peixes estão espremidos - pensou em dizer, mas se conteve. Ainda não tinha intimidade para fazer o comentário. A terapeuta não falava muito. Na sessão

Vaga privativa

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O diretor me olha, desconfiado, se inclina um pouco e me diz em voz baixa: — Quando você terminar, dê uma passadinha na minha sala. Quero dar uma palavrinha com você. — Comigo? — É. — Está bem... - respondo, sem saída. As palavras se embaralham na tela do computador. Começo a tremer, antecipando a bronca. Só se é chamado à sala do diretor quando se fez algo muito grave. Revejo mentalmente o trabalho da semana. Será que deixei passar um número errado de projeto de lei, uma frase sem sentido ou, pior, um xingamento, quer dizer, uma expressão anti-regimental? Respiro fundo, tento me imaginar numa praia bem tranqüila com coqueiros, mas não consigo impedir as lágrimas, de início discretas, e logo depois caudalosas. Ainda bem que todos estão muito ocupados com a cota cheia de plenário para notar alguém chorando. Termino mal os discursos que faltam, deixando passar, agora sim, por falta de condições emocionais, números errados, frases sem sentido e expressões anti-regimentais. Devo também ter

Dente mole

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— A senhora prefere o Eixão, né? O Sr. José Maria, nosso taxista de confiança, foi chamado para me levar ao trabalho depois do almoço. Antes que eu fechasse a porta do táxi, ele informou: — A senhora imagina que eu perdi dois dentes de uma vez só? Fiquei com janelinha, igual menino - e abriu o sorriso desdentado. — Que pena, - comentei. Ele continuou, orgulhoso: — A senhora acredita que eu nunca tinha ido ao dentista na minha vida? — Nunca? - repeti, admirada. Eu tinha ido inúmeras vezes, sempre com grande sofrimento. — Nunca! Mas, na semana passada, senti um dente mole e resolvi ir. O dentista puxou e saiu fácil, fácil. Parece que nem tinha raiz! Pior: puxou o do lado, também saiu. Dois, e logo na frente! — Doeu? - Perguntei, solidária, lembrando as extrações que havia feito e a dor aguda que sentia depois de passado o efeito anestésico. — Nada! Estavam soltinhos, como dentes de leite! Mas agora vou ter que fazer dois implantes. A senhora já fez? - Ele me observava atentamente pelo re

Boneca Melindrosa

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O telefone tocou cedo no sábado de carnaval. — Adivinhe em quanto está o meu PSA? - perguntou Boneca, entusiasmado. — Quanto? - quis saber Isolda. — 1,8! E a glicose? ... — 100! E o HDL? ... — 50! — Parabéns! Os meus... Bertoni e Nilson — Boneca e Isolda, na intimidade — conheciam-se há 40 anos, desde a transferência para Brasília. A amizade instantânea se consolidara com o tempo, apesar das diferenças de temperamento entre o boêmio inveterado e o camisolão. Quando jovens, trocavam diariamente confidências eróticas. Agora, porém, ambos apresentavam problemas de saúde e compartilhavam por telefone os resultados dos freqüentes exames de laboratório. Boneca desligou antes que Isolda entrasse em detalhes infindáveis e preparou-se para sair. Acendeu lentamente o primeiro cigarro do dia e aplicou a insulina que se esquecera de usar no dia anterior. Pediu ao caseiro que preparasse o carro e, amparado pela esposa, entrou devagar no veículo adaptado para deficientes. Sobrevivera a dois acident

Atendimento preferencial

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Às 10h59min acomodou-se na cadeira, apertou o nó da gravata e dispôs as canetas azul, vermelha e preta à direita do bloco de anotações. Sua mesa era no meio do salão, onde a visão estratégica lhe permitia supervisionar todo o movimento. Abriu-se a porta e a multidão entrou para disputar a fila. A pequena agência na entrequadra só dispunha de dois caixas — um deles destinado ao atendimento preferencial —, que davam conta tranqüilamente do fluxo normal de clientes, mas nesta sexta-feira, véspera de carnaval, era esperado um número maior. — De onde sai tanto velho? - ele se perguntava toda manhã. Os aposentados chegavam à média de um por minuto e reuniam-se em bandos na mesinha do café, falando alto, sem pressa. Depois de pôr as notícias em dia, dirigiam-se calmamente à fila. Antes de fazer o pagamento, transferência, saque ou o que fosse, perguntavam à caixa como ia a família, contavam que a saúde andava melhor, que o neto dera os primeiros passos, que a filha descobrira a traição do mar

Se precisar de mim...

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— Se precisar de mim, não conte comigo – disse ele, encarando-a com o olhar opaco de vidro. Ela pensou ter entendido mal: — Como? – perguntou, enxugando as lágrimas. — Se precisar de mim, não conte comigo. A não ser nos 50 minutos da sessão, é claro. Amanhã, às 10 em ponto. Ela chegou um pouco antes e se acomodou na poltrona que ele indicava. Ficaram em silêncio por algum tempo. Ele usava um rabinho-de-cavalo no cabelo grisalho e uma bata estampada com pequenos elefantes de todas as cores. — Que gracinhas esses elefantinhos! – ela comentou, para quebrar o gelo. — Não são elefantinhos. São desenhos abstratos, mas se você quiser me convencer do contrário, pode tentar – desafiou ele. Recusado o desafio, ele colocou os óculos e abriu o bloco de anotações. — Você tem dificuldade nas relações interpessoais com pessoas? – Por hábito de ofício, ela corrigiu mentalmente a redundância antes de responder “sim”. Ele anotou, sem pressa: “ dificuldade nas relações interpessoais com pessoas ”. Ela ob

Celebração

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Você diz que não quer mais viver. Vamos nos sentar ali naquele banco enquanto nos aquecemos ao sol morno da manhã. Observe o dia que começa. Os bebês se deslumbram com a visão do céu, os velhinhos perambulam iguais, os cachorros cheiram o mundo. O homem que passa encolhido de frio mora longe. A mulher deixará o filho na creche enquanto cuida da casa alheia. Segure um raio de sol na palma da mão. Agarre outro e mais outro. Preste atenção ao silêncio das árvores: elas saboreiam o orvalho e a visita dos pássaros. Ao meio-dia, darão sombra generosa a quem precisar. Vou lhe contar uma estória. Era uma vez uma mulher que foi entristecendo até achar que não queria mais viver. Desfez-se de tudo o que possuía, despediu-se de cada amigo e saiu vagando. Jogou fora documentos para esquecer quem era. Lançou ao mar os pertences mais valiosos para que alguém os recolhesse numa praia distante. Desafiou a morte, ela não veio. Quase sem forças, voltou à casa materna para convalescer em lençóis bordados

A Bênção

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No meu aniversário, ao voltar do trabalho, encontro um recado sobre a mesa: “seu padrinho ligou”, seguido de dois números de telefone. Padrinho? Eu nem sabia que tinha um! Ainda por cima, nobre: chama-se Duque. Não poderia receber melhor presente. Retorno a ligação e ouço um forte sotaque mineiro. Quer muito me ver. Já nos conhecemos: carregou-me no colo quando bebê. Dou-lhe meu endereço e combinamos um encontro para a semana que vem. Na breve conversa, descubro que mora na Asa Norte, é aposentado e passa muito tempo na roça. Era o melhor amigo de meu pai, hospedou-o na primeira vinda a Brasília e também sente saudades dele. Tem um baú de fotos antigas para me mostrar. Meu padrinho ligou e quer muito me ver. Sinto-me já abençoada. Procuro mais informações sobre ele. Meu tio diz que é gente boa, mas não sabia que era meu padrinho. Minha mãe se lembra de que é baixinho e manco, mas padrinho só se for de crisma, porque os de batismo eram minha querida avó, já falecida, e o marido de uma t

Batismo

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Escolhemos um domingo branco de maio para a cerimônia. Nossa roupa também é branca e nossos convidados são os poetas. Enfeito-me com colares de cristal transparente e ele, com uma flor no paletó. Vamos cumprir a antiga promessa. Partimos cedo e despertamos a manhã com passos gentis. Não temos pressa. Caminhamos de braços dados e conversamos baixo para não perturbar as árvores. Eu me abandono ao seu braço como uma menina se deixa levar pelo pai. Ao meio-dia, procuramos um lugar fresco para repousar. Estendemos na grama a toalha branca e celebramos com pão, frutas e vinho. A natureza se junta ao brinde: Em meio à folhagem, desponta um trevo de quatro folhas. Uma borboleta azul pousa auspiciosa em meu seio. Ele a captura e a deposita em minhas mãos, cuidadoso como um menino que passa o anel e espera uma prenda. Colho um ramo de margaridas e faço uma coroa para seus cabelos morenos, enquanto o sol acende os enormes olhos castanhos do meu soberano. É noite quando chegamos ao nosso destino.

Parabéns pra você

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Luci Afonso Querida, O bolo estava na geladeira, junto com os refrigerantes. As velinhas e a caixa de fósforos, na primeira gaveta do armário da cozinha. O forro bordado para a mesa estava na cristaleira. Duzentos balões amarelos enfeitavam a sala e o jardim. Os fogos de artifício estavam prontos e eram iguais aos que vimos na praia no réveillon. Meu amor, Pendurei seu vestido na parte direita do guarda-roupa, junto com as sandálias novas e as jóias que sua avó te deixou. Espalhei margaridas pelo quarto, para que você acordasse num mundo branco e perfumado. Arrumei sua coleção de ursinhos e bonecas na estante. Seu pai tinha uma surpresa escondida na garagem. O Léo ligou bem cedo para ser o primeiro a te dar os parabéns — o presente dele era uma lembrança do primeiro beijo. A viagem à Disney, eu tinha acertado com a mãe da Carol para as férias de julho. Filhinha, Estava tudo pronto para a festa, mas você não despertou na manhã de sol morno e vento suave. O bolo ficará esque

Entrevista com o Poeta

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Luci Afonso (Para Marco Antunes) O que é uma chave? Uma chave é intenção, descendência, perpetuação, legado. O que é uma pedra? Uma pedra é diamante, armadilha, maldição, ofício. O que é uma nuvem? Uma nuvem é desejo, fuga, imaginação, delírio. O que é um marco? Um marco é sinal, anunciação, salto, destino. Uma chave, uma pedra, uma nuvem, um marco têm algo em comum? Sim. Tudo o que existe abriga a poesia. Como encontrá-la? Primeiro, capture uma borboleta amarela num jarro de vidro, ponha na janela ao primeiro sol da manhã e liberte-a em seguida. Observe o vôo. Depois, escolha a sombra de uma árvore antiga, forre o chão com veludo vermelho e jogue nele algumas pedras preciosas. Note como elas deslizam. Assim que puder, siga confiante, pelos olhos verde-musgo de um poeta já nascido, os vestígios deixados nessa busca pré-histórica. Quando se aproximar, segure mais forte a mão do seu guia. A poesia só se deixará tocar em silêncio, mas, uma vez encontrada, se mos