Bandeira 2








Acordo sentindo uma leve tristeza na manhã de sábado. Cai uma chuva fina desde a noite passada.
Finalmente vou buscar meu carro na oficina. A revisão demorou mais que o esperado, e por isso andei de táxi uma semana. Chamo o Sr. José Maria para nossa última corrida, já com saudade das suas histórias.
Ele quase não dormiu. Está com os olhos vermelhos e a barba por fazer, mas ganhou um bom dinheiro com as chamadas noturnas:
21 horas. Jorge contrata uma garota na 314 e a leva até o Colorado. As preliminares têm início já no carro e se prolongam no estacionamento do motel, enquanto o casal aguarda uma vaga.
21h40min. Selma segue o marido até uma boate no Conic. Há muito tempo ele não a procura. Está desconfiada de que tem outra mulher.
22 horas. Mel vai comemorar 45 anos com amigas no Gilberto Salomão. Seu pedido secreto de aniversário é encontrar um homem bonito e carinhoso com quem passar a noite.
23 horas. Bernardo, viúvo há um ano, vai até o Alpino’s, no Parque da Cidade, tomar um chope e procurar companhia. Pode ser feia, mas tem que ser alegre.
23h30min. Rosilene termina o trabalho no banco. São apenas 2 quadras até a quitinete onde mora, mas a esta hora ela não se arrisca a ir a pé. Como faz toda noite, o amigo taxista espera embaixo do bloco até que ela suba em segurança.
1 hora. Selma flagra o marido com um travesti, sente-se mal e precisa ser levada ao HRAN. O Sr. José Maria acompanha o atendimento no hospital, certifica-se de que ela está bem e informa a família sobre o ocorrido.
3 horas. Mel encontrou um belo rapaz de 20 anos e o traz para casa. No trajeto, os dois homens conversam sobre futebol.
4 horas. Bernardo despede-se das novas amigas, que o colocam no táxi. O porteiro ajuda a levá-lo até o apartamento. Pagará a corrida no dia seguinte, como de costume.
6 horas. Jorge acerta a conta do motel e dá à garota 70 reais pelo programa. O táxi os espera no portão. O casal se aconchega e cochila no banco de trás.
O Sr. José Maria retorna à casa-ponto. Faz café, fecha os olhos por alguns minutos e sonha com sua plantação de milho molhada pela chuva fina. Adormece sentindo uma leve tristeza na manhã de sábado.

Comentários

  1. Olá Luci,

    Visitei o seu blog e gostei de tudo, porque o seu estilo variado é uma alegria para o leitor.

    Mas quero registrar um especial "maravilhoso" para o BANDEIRA 2. Aparentemente despretensioso, casual, esconde a profundidade de tantas vidas, as angústias, as buscas e a solidão de cada ser humano - o grande vilão dos séculos.
    E você escreve sobre Brasília, terra que me adotou há 39 anos e que eu amo muito.
    Para que esquinas?

    Um beijo

    Cinthia Kriemler
    (do Desafio de Contos da Câmara)

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